Lula repudia ação dos EUA contra Erika Hilton e diz que defender identidade de gênero é defender a soberania nacional

© Marcelo Camargo/Agência Brasil
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Presidente cobra Itamaraty e Congresso por resposta à negativa de identidade de gênero em visto para deputada trans; caso envolve decreto de Trump sobre gênero binário

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva classificou como “abominável” a negativa da identidade de gênero da deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) pela embaixada dos Estados Unidos no Brasil durante o processo de emissão de um visto diplomático. O episódio gerou forte reação do governo brasileiro, que considera a medida uma ingerência internacional e um desrespeito à soberania nacional.

Durante cerimônia de sanção de projetos de lei voltados à proteção das mulheres, realizada nesta quinta-feira (24) no Palácio do Planalto, Lula disse ter solicitado ao Ministério das Relações Exteriores que emita uma nota oficial manifestando a “inconformidade do Brasil com a ingerência de uma embaixada no passaporte de uma brasileira”.

“Érica, o que aconteceu com você, na minha opinião, é abominável. Você não foi pedir mudança de sexo, foi pedir um passaporte para fazer uma viagem aos Estados Unidos. E defender isso é defender a soberania brasileira. É o mínimo que a gente espera”, afirmou o presidente.

Missão oficial e recuo

Erika Hilton integrava uma missão oficial autorizada pela Câmara dos Deputados para participar como palestrante da Brazil Conference at Harvard & MIT 2025, em um painel sobre diversidade e democracia. No entanto, diante do impasse com a embaixada americana, a deputada decidiu cancelar sua participação no evento, previsto para o dia 12 de abril.

Segundo sua equipe, documentos apresentados à embaixada atestavam sua identidade feminina, reconhecida por meio de certidão de nascimento retificada e passaporte brasileiro. Mesmo assim, o sistema americano teria registrado Erika com o sexo masculino, desconsiderando a documentação oficial do Brasil.

O episódio foi associado à Ordem Executiva 14168, assinada pelo presidente Donald Trump em janeiro deste ano, que restringe o reconhecimento de identidade de gênero apenas ao sexo biológico imutável nos registros federais dos EUA. Essa diretriz afeta diretamente a emissão de documentos como vistos e passaportes.

Reação diplomática

Lula também cobrou uma manifestação do Congresso Nacional — tanto da Câmara dos Deputados quanto do Senado — ao Congresso dos Estados Unidos, em defesa de Erika e da autonomia brasileira no reconhecimento da identidade de seus cidadãos.

“Quem tem o direito de discutir o que essa mulher é, é o Brasil e é ela, sobretudo. É a ciência. Não é o decreto do Trump”, disse Lula.
“Nós não vamos fazer isso com uma americana que queira vir para cá. A gente vai apenas autorizar ou não o visto. Agora, o que não pode é tentar mudar o que a pessoa é.”

Posição da embaixada

Procurada, a embaixada dos Estados Unidos no Brasil afirmou que as informações sobre vistos são confidenciais, mas confirmou que, atualmente, reconhece apenas os sexos masculino e feminino como imutáveis desde o nascimento, em conformidade com o decreto presidencial em vigor.

Voz ativa e resistência

Após o encontro com Lula, Erika Hilton declarou à imprensa que se sentiu acolhida e respaldada pelo governo brasileiro:

“O presidente usou esse momento para fazer uma fala que me alegra muito e que dá esperança. As mulheres trans não estão abandonadas. Nós vamos continuar defendendo todas as mulheres — trabalhadoras, indígenas, do campo, das redes sociais, e também as mulheres transexuais e travestis.”

O caso deve agora ganhar desdobramentos diplomáticos. Segundo Erika, o próximo passo será acompanhar a posição oficial do Itamaraty, enquanto cresce a expectativa por uma mobilização do Legislativo brasileiro em repúdio à decisão da embaixada americana.