
Na última quarta-feira (30), a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados iniciou a análise de um parecer que pede a suspensão integral da ação penal contra Alexandre Ramagem, um dos integrantes do núcleo 1 da trama golpista que tentou impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O requerimento foi apresentado pelo deputado Alfredo Gaspar (União-AL) e será votado na próxima semana, após pedido de vista.
O parecer sugere que a ação penal contra Ramagem seja paralisada por completo, incluindo as acusações de tentativa de golpe de Estado, organização criminosa, entre outros crimes, conforme especificado na Petição n. 12.100, que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF). Gaspar argumenta que, com base no artigo 53 da Constituição, a Câmara e o Senado têm o poder de sustar o andamento da ação penal de parlamentares por crimes cometidos após a diplomação do cargo, o que, segundo ele, se aplica ao caso de Ramagem.
O Partido Liberal (PL) solicitou a suspensão da ação penal contra o deputado, que é acusado de envolvimento na tentativa de golpe e de produzir desinformação durante o processo eleitoral de 2022. Segundo Gaspar, a investigação contra Ramagem apresenta “fragilidade nos indícios” e ele estaria sendo submetido a “uma provável injustiça”. Ramagem, ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), é acusado de monitorar ilegalmente autoridades e de apoiar a tentativa de golpe de Estado, ajudando a disseminar desinformação para questionar a legitimidade das eleições.
Divisão entre os parlamentares e o STF
O parecer de Gaspar contraria uma posição do STF, que, na semana passada, enviou um ofício à Câmara indicando que a suspensão da ação penal deveria se restringir apenas aos crimes cometidos após a diplomação de Ramagem. O Supremo também afirmou que ele deveria continuar respondendo por crimes como organização criminosa armada e tentativa de abolição do Estado democrático de direito.
Ramagem, que foi eleito deputado federal pelo PL, integra o núcleo 1 da trama golpista, junto a outras figuras importantes, como o ex-presidente Jair Bolsonaro, o ex-ministro Walter Braga Netto, os generais Augusto Heleno e Paulo Sérgio Nogueira, o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, e o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid.
Gaspar, ao justificar sua posição, afirmou que o crime de organização criminosa é considerado “crime continuado” e que, segundo a denúncia do Ministério Público Federal (MPF), as ações do grupo criminoso se estenderam até o dia 8 de janeiro de 2023, após a diplomação de Ramagem. Além disso, ele argumentou que o crime de tentativa de golpe de Estado só poderia ocorrer após a posse do novo governo eleito, o que também reforçaria a tese de que o crime continuou após a diplomação.
Controvérsias sobre a constitucionalidade da proposta
O deputado Lindbergh Farias (PT-RJ) questionou o parecer, alegando que a tentativa de suspender a ação penal seria inconstitucional. Segundo Farias, a interpretação do artigo 53 da Constituição não permitiria que a Câmara suspendesse a ação penal contra pessoas que não são parlamentares, como o caso de outros investigados na mesma ação.
Em contrapartida, o deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG) defendeu o parecer de Gaspar, alegando que, como Ramagem é um parlamentar e integra uma ação única com outras pessoas, a imunidade parlamentar deve ser respeitada, e a Câmara tem o direito de sustar a ação penal, mesmo que isso envolva outros envolvidos no esquema golpista.
Por outro lado, o deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) se posicionou em defesa do entendimento do STF, reiterando que o artigo 53 da Constituição limita a suspensão da ação apenas a parlamentares, e que qualquer tentativa de estender essa medida a outros investigados seria inadequada e contrária ao texto constitucional.
A trama golpista e a denúncia de tentativa de golpe de Estado
A denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) descreve que a trama golpista tinha como objetivo anular os resultados das eleições presidenciais de 2022 e, segundo o relato, incluía até mesmo planos de assassinatos contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro do STF Alexandre de Moraes.
A tentativa de golpe de Estado buscava apoio das Forças Armadas para a decretação de Estado de Sítio, um cenário que, se aprovado, resultaria em uma ruptura democrática no Brasil. Os investigados negam todas as acusações, mas a denúncia levanta sérias suspeitas sobre a articulação para desestabilizar o novo governo eleito.
Os desdobramentos dessa investigação têm repercutido não apenas no âmbito político, mas também nas instituições de controle, que agora se veem diante de um impasse sobre a legitimidade das ações da Câmara dos Deputados em relação à suspensão da ação penal.
Com a votação do parecer prevista para a próxima semana, a CCJ da Câmara continua a debater os limites do poder legislativo em relação à atuação do Judiciário, enquanto a sociedade acompanha as investigações sobre um dos maiores esquemas golpistas da história recente do Brasil.