STF decide avaliar anistia para ocultação de cadáver como crime permanente

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Ministro Flávio Dino reconhece repercussão geral sobre o tema, em decisão que pode formar nova jurisprudência

 

 

O Supremo Tribunal Federal (STF) deu um passo decisivo ao admitir a análise sobre a possibilidade de aplicação da Lei da Anistia ao crime de ocultação de cadáver, considerado um crime permanente. A decisão, divulgada neste domingo (15) pelo ministro Flávio Dino, reconhece a repercussão geral da matéria, o que significa que o entendimento do caso será aplicado a processos semelhantes em instâncias inferiores.

A Lei da Anistia, de 1979, extinguiu a punibilidade de crimes políticos e relacionados, cometidos entre 1961 e 1979, período que abrange boa parte da ditadura militar brasileira. O caso em questão envolve denúncia do Ministério Público Federal (MPF) contra os ex-militares Sebastião Curió Rodrigues de Moura, o Major Curió, e Lício Augusto Ribeiro Maciel, acusados de ocultar corpos de militantes da Guerrilha do Araguaia, movimento de resistência ao regime militar nos anos 1970.

Crime permanente e distinção jurídica

Flávio Dino destacou que o debate não propõe revisar a decisão da ADPF 153, que manteve a validade da Lei da Anistia, mas sim criar uma distinção jurídica para crimes permanentes. Segundo o ministro, a ocultação de cadáver não se limita à ação inicial, mas persiste enquanto o local dos restos mortais permanece desconhecido, impedindo que familiares exerçam o direito ao luto.

“A aplicação da Lei de Anistia extingue a punibilidade de atos praticados até a sua entrada em vigor. Contudo, em crimes permanentes, existem atos posteriores à lei, como a manutenção da omissão sobre o paradeiro dos cadáveres, que configura prática criminosa contínua”, afirmou Dino.

Contexto histórico e impacto internacional

A decisão ocorre em meio a pressões por justiça em relação aos crimes da ditadura. Em 2010, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o Brasil pelo desaparecimento forçado de 70 pessoas na Guerrilha do Araguaia, determinando a investigação e punição dos responsáveis. O relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV), de 2014, reforçou as denúncias contra agentes do regime, incluindo o Major Curió, que coordenou ações clandestinas de repressão.

Sebastião Curió, falecido em 2022, chegou a ser recebido pelo ex-presidente Jair Bolsonaro em 2020, gerando controvérsias sobre a memória da ditadura.

Cultura e memória

Na fundamentação, Dino citou o filme Ainda Estou Aqui, dirigido por Walter Salles e inspirado no desaparecimento do ex-deputado Rubens Paiva, como exemplo da dor causada pelos desaparecimentos forçados. “A história sublinha a dor imprescritível de milhares de familiares que nunca puderam velar seus entes desaparecidos, um direito humano básico”, destacou.

Agora, os ministros do STF decidirão em sessão virtual se a ocultação de cadáver, por ser um crime permanente, está excluída da abrangência da Lei da Anistia. A decisão pode estabelecer um marco jurídico importante na luta por justiça e memória histórica no Brasil.