
Parecer da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional aponta riscos fiscais e legais de flexibilização excessiva nas relações de trabalho
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) alertou o Supremo Tribunal Federal (STF) sobre os riscos da chamada pejotização, prática em que empresas contratam trabalhadores como pessoa jurídica para mascarar vínculos empregatícios e evitar encargos trabalhistas. Em parecer enviado à Corte, a PGFN afirma que a medida pode trazer “consequências nefastas” para a arrecadação de impostos e o custeio da Previdência Social.
Segundo o órgão, a pejotização tende a atingir especialmente profissionais mais qualificados e com rendimentos mais altos, o que amplifica os impactos negativos sobre as finanças públicas. “Esse artifício aniquilaria o dever que vincula profissionais liberais qualificados ao pagamento do Imposto de Renda”, argumentou o procurador Carlos de Araújo Moreira. “Além disso, desfalcaria o caixa da Previdência Social ao afastar a incidência da contribuição patronal.”
Suspensão no STF reacende debate jurídico
O tema voltou ao centro das discussões após o ministro Gilmar Mendes determinar, na segunda-feira (14), a suspensão de todos os processos no país que tratem da pejotização até uma decisão definitiva do STF. A prática já é alvo de polêmica há anos no meio jurídico, especialmente desde 2018, quando o Supremo autorizou a terceirização irrestrita, inclusive para atividades-fim das empresas.
Com base nessa decisão, diversas empresas passaram a questionar o reconhecimento de vínculos formais com trabalhadores, sob o argumento de que os contratos eram regulares. No entanto, em muitos casos, o que se vê, segundo especialistas, é a substituição do emprego formal por contratos de fachada, sem os direitos garantidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Estimativas preocupantes
Um estudo do professor Nelson Marconi, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), apontou que a pejotização já impactou em R$ 89 bilhões a arrecadação fiscal entre 2017 e o fim de 2023. Se o modelo se expandir para metade dos trabalhadores com carteira assinada, a perda pode chegar a R$ 380 bilhões.
“É uma questão que ultrapassa o debate trabalhista. A perda de receita compromete as contas públicas e afeta diretamente a sustentação da seguridade social”, afirmou Marconi no estudo.
Posicionamento da União
No parecer enviado ao STF em abril de 2023, no contexto de um processo envolvendo um trabalhador do setor de telecomunicações, a PGFN enfatizou que a livre iniciativa deve respeitar os princípios e normas da CLT, incluindo os artigos que definem vínculo empregatício e proíbem fraudes.
“A Justiça do Trabalho deve preservar o princípio da verdade real, impedindo que relações trabalhistas legítimas sejam descaracterizadas sob a aparência de contratos de prestação de serviços”, concluiu a Procuradoria.
O julgamento do STF ainda não tem data para ocorrer, mas a decisão de Gilmar Mendes de suspender os processos sinaliza que o tema poderá ser analisado de forma unificada e com repercussão geral, definindo um marco legal para o futuro das relações de trabalho no país.