Brasil viola obrigações básicas ao não garantir acesso ao aborto legal, aponta instituto

© Paulo Pinto/Agência Brasil
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Documento enviado ao STF denuncia falhas estruturais e uso de métodos ultrapassados, em desacordo com recomendações da OMS


O Brasil descumpre obrigações legais e internacionais ao não garantir o acesso ao aborto legal, aponta manifestação do Instituto O’Neill enviada ao Supremo Tribunal Federal (STF). O instituto, ligado à Universidade de Georgetown e único colaborador jurídico da Organização Mundial da Saúde (OMS), destacou que o país oferece o serviço de forma extremamente limitada e com métodos inadequados, ferindo os direitos humanos de mulheres e meninas.

O texto foi apresentado na ação movida pela Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), que pede o reconhecimento do estado de coisas inconstitucional diante da precariedade do acesso ao aborto legal no Brasil. O caso está sob relatoria do ministro Edson Fachin.

Segundo o instituto, um dos principais problemas é a escassez de unidades de saúde capacitadas. Atualmente, existem apenas 88 serviços de referência em todo o país, localizados em 55 municípios — o que representa somente 4% das cidades brasileiras. Estados inteiros, como o Pará, têm apenas uma unidade. Há apenas um serviço de telemedicina disponível, em Minas Gerais.

A entidade denuncia que essa estrutura limitada compromete os direitos à saúde, à vida, à igualdade e à não discriminação, violando princípios básicos estabelecidos por leis nacionais e convenções internacionais. A OMS estima que até 90% das mortes maternas poderiam ser evitadas com acesso adequado ao aborto legal.

Outro ponto de crítica é o uso de protocolos e práticas consideradas inadequadas ou ultrapassadas. Desde 2005, uma portaria do Ministério da Saúde define regras para o atendimento, mas inclui exigências que reestimulam o trauma das mulheres, como a obrigatoriedade de relatar um estupro e assinar termo de responsabilidade.

O documento também critica o uso recorrente da curetagem — método doloroso e já desaconselhado pela OMS desde 2022 — em vez do aborto medicamentoso, considerado mais seguro. No Brasil, há apenas um medicamento aprovado para esse fim, com uso restrito ao ambiente hospitalar.

O Instituto O’Neill afirma que, além da falta de protocolos atualizados e infraestrutura, há um clima de medo e insegurança que afasta mulheres do atendimento, gerando uma “violação estrutural de direitos”.

A ação apresentada pela Abrasco foi protocolada em 2022, mas permanece sem avanço desde 2023. A legislação brasileira permite o aborto em casos de estupro, risco à vida da mãe ou anencefalia do feto.

No ano passado, o STF chegou a iniciar o julgamento de uma ação sobre a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação, mas o processo foi interrompido por um pedido de destaque do presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, e ainda não tem data para ser retomado.