Nova proposta do Imposto de Renda pode reduzir desigualdade no Brasil

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Projeto prevê isenção para quem ganha até R$ 5 mil e taxação de rendas acima de R$ 50 mil

O projeto de lei que altera as faixas de tributação do Imposto de Renda (IR) pode representar um avanço na redução da desigualdade no Brasil, aproximando o país dos sistemas tributários de nações mais desenvolvidas, como França e Alemanha. A proposta, entregue pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Congresso Nacional na última terça-feira (18), prevê a isenção do IR para quem ganha até R$ 5 mil mensais, além da criação de descontos na tributação para salários entre R$ 5 mil e R$ 7 mil.

Em contrapartida, quem recebe mais de R$ 50 mil por mês passará a ser taxado. Essa mudança busca garantir a chamada neutralidade fiscal, ou seja, o que o governo deixará de arrecadar das faixas de menor renda será compensado pela taxação sobre os mais ricos.

A professora de economia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Clara Zanon Brenck, destaca que essa progressividade tributária segue o modelo adotado por países desenvolvidos.

“Países mais igualitários, como os mais desenvolvidos da Europa, tendem a tributar de maneira mais progressiva. O Brasil, fazendo essa mudança, vai se aproximar desses países”, afirmou Brenck à Agência Brasil.

Impacto fiscal e quem será afetado

Segundo cálculos do Ministério da Fazenda, cerca de 10 milhões de brasileiros deixarão de pagar Imposto de Renda, resultando em uma renúncia fiscal de R$ 25,84 bilhões. Para compensar essa perda, cerca de 141,3 mil contribuintes que ganham mais de R$ 50 mil mensais serão taxados.

Atualmente, muitos desses altos salários são compostos por rendimentos isentos, como dividendos (distribuição de lucros de empresas). A proposta inclui essas fontes na base de cálculo, o que deve elevar a arrecadação.

Os números indicam que nove em cada dez brasileiros que pagam IR terão isenção total ou parcial. Ao todo, 26 milhões de pessoas (65% dos declarantes) deixarão de pagar o imposto, enquanto a nova tributação afetará apenas 0,13% dos contribuintes e 0,06% da população.

Justiça tributária e redução da desigualdade

Especialistas apontam que a proposta é um passo em direção à justiça tributária, conceito que prevê que quem ganha mais deve pagar proporcionalmente mais impostos. A professora Clara Brenck explica que, no atual sistema, um contribuinte que ganha R$ 5 mil e paga R$ 500 de IR tem 10% da renda comprometida com o imposto, enquanto alguém que ganha R$ 500 mil e paga R$ 50 mil também paga 10%.

“Você tem as pessoas pagando o mesmo tanto de imposto, independentemente da sua renda”, explica Brenck, que também é pesquisadora do Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made), da USP.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, reforça que a proposta abre caminho para discussões mais amplas sobre tributação justa no país.

“O grande mérito dessa proposta é que ela abre uma avenida para a gente discutir justiça tributária”, disse Haddad na última quinta-feira (20), em entrevista ao programa Bom Dia, Ministro.

Apesar dos avanços, especialistas defendem que a nova alíquota para os mais ricos poderia ser mais elevada, próxima de 15%, garantindo um impacto maior na redução da desigualdade.

Obstáculos e tramitação no Congresso

A proposta ainda precisa ser analisada e aprovada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado antes de entrar em vigor. Durante essa tramitação, o texto pode sofrer alterações. O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), afirmou que o Congresso terá a “sensibilidade para avaliar o impacto social da medida”, mas não descartou possíveis mudanças.

O analista da Tendências Consultoria, João Leme, alerta para o risco de que a taxação dos mais ricos seja reduzida ou até eliminada durante as negociações no Legislativo.

“Se os mecanismos de compensação fiscal forem diluídos ou excluídos, a proposta pode gerar um desequilíbrio orçamentário, aumentando a incerteza econômica e política para o governo”, avalia Leme.

Desigualdade e o desafio estrutural

Atualmente, o Brasil está entre os dez países com pior distribuição de renda do mundo, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os 10% mais ricos do país recebem, em média, uma renda 14,4 vezes superior à dos 40% mais pobres.

O pesquisador Marcos Hecksher, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ressalta que a reforma tributária é um passo importante, mas que seu impacto beneficia mais a classe média do que a população mais pobre.

“Tornar a tributação mais progressiva, sem tantas isenções e desonerações para os mais ricos, é essencial para reduzir as desigualdades”, explica Hecksher.

Ele destaca ainda que a carga tributária indireta, como impostos sobre consumo, continua penalizando as camadas mais pobres da população, que gastam uma maior parte de sua renda com produtos básicos.

“A primeira fase da reforma tributária, que unificou tributos sobre o consumo, não resolveu esse problema. Para reduzir a desigualdade de forma efetiva, o país precisa equilibrar melhor os impostos sobre renda e sobre consumo”, conclui Brenck.

Se aprovada, a nova proposta do IR pode representar um avanço na justiça fiscal, mas especialistas reforçam que mudanças estruturais ainda são necessárias para combater as desigualdades no Brasil.