
Documento entregue à ANS questiona critério de certificação de planos de saúde e alerta para aumento de casos em jovens
Entidades médicas apresentaram à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) um parecer defendendo a ampliação da mamografia de rastreamento para todas as mulheres entre 40 e 74 anos. O documento tenta modificar os critérios do novo programa de certificação de boas práticas no tratamento do câncer, lançado pela agência.
Atualmente, a proposta da ANS segue o protocolo do Ministério da Saúde e do Instituto Nacional do Câncer (Inca), que recomenda mamografias a cada dois anos apenas para mulheres de 50 a 69 anos. A restrição gerou protestos de entidades médicas, que alertam para o risco de exclusão de uma parcela significativa da população feminina.
Após a mobilização, a ANS abriu espaço para a apresentação de evidências científicas e recebeu o parecer na última semana de fevereiro.
Aumento de casos e diagnóstico precoce
O documento foi elaborado pelo Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem, Sociedade Brasileira de Mastologia e Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia. As entidades apontam que, em 2024, 22% das mulheres que morreram de câncer de mama no Brasil tinham menos de 50 anos e 34% tinham mais de 70.
Além disso, estudos indicam um aumento de casos entre mulheres jovens, cujos tumores costumam ser mais agressivos e com maior risco de metástase.
“No grupo do rastreamento, o tumor é detectado no estágio inicial e apresenta características biológicas menos agressivas, permitindo maior número de cirurgias conservadoras da mama. Essas pacientes também possuem menos indicação de quimioterapia, com menores efeitos colaterais do tratamento”, destaca o parecer.
As entidades também argumentam que o diagnóstico precoce reduz custos para o sistema de saúde, já que evita tratamentos caros em estágios avançados da doença.
Debate sobre efetividade
Por outro lado, especialistas do Instituto Nacional do Câncer (Inca) e do Ministério da Saúde contestam a ampliação da faixa etária de rastreamento. O diretor-geral do Inca, Roberto Gil, afirma que não há evidências científicas suficientes para comprovar que a realização de mamografias antes dos 50 anos reduza a mortalidade.
“Nossa questão não está baseada na incidência da doença abaixo dos 50 anos, mas nas fortes evidências de que o rastreamento antes dessa idade não tem sensibilidade adequada. Isso aumenta o risco de sobrediagnóstico e de intervenções desnecessárias, sobrecarregando o sistema de saúde”, afirmou Gil.
Segundo ele, a maior densidade mamária em mulheres mais jovens pode gerar falsos positivos, levando a exames invasivos ou até cirurgias desnecessárias.
Cobertura da mamografia no Brasil ainda é desafio
Independentemente da faixa etária de rastreamento, a cobertura da mamografia no Brasil ainda fica abaixo do ideal. A última Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), realizada pelo IBGE em 2019, revelou que menos de 60% das mulheres de 50 a 69 anos haviam feito o exame dentro do período recomendado.
Para Gil, ampliar a faixa etária pode piorar esse cenário, dificultando o acesso das mulheres que já fazem parte do protocolo atual.
“Se eu estivesse tentando pular 2 metros e não conseguisse, eu treinaria para melhorar ou aumentaria o sarrafo para 2,50? O problema não é a faixa etária, mas garantir que quem já tem indicação consiga de fato realizar o exame”, afirmou.
Já as entidades médicas alertam que, se o protocolo do Inca for mantido como critério de certificação da ANS, os planos de saúde podem restringir a autorização para mamografias de rotina em mulheres fora da faixa etária oficial, mesmo que o exame seja garantido pelo rol obrigatório de coberturas da saúde suplementar.
Na rede privada, a taxa de detecção precoce é maior: 53% dos tumores são identificados por mamografias em pacientes assintomáticas, e 40,6% dos diagnósticos ocorrem ainda no estágio inicial, segundo o parecer.
ANS analisa contribuições e pode rever critérios
A ANS confirmou que recebeu o parecer das entidades no dia 26 de fevereiro e que analisará todas as contribuições recebidas na Consulta Pública 144, que recebeu mais de 60 mil sugestões.
“Neste momento, a proposta do Manual de Certificação de Boas Práticas em Atenção Oncológica passa por avaliação, sem previsão de conclusão”, informou a agência.
A versão final da Certificação Oncológica ainda será debatida em nova audiência pública antes de ser implementada.