
Após mais de duas décadas de avanços, a luta global contra o sarampo vive um retrocesso preocupante. Segundo um relatório divulgado nesta sexta-feira (28) pela Organização Mundial da Saúde (OMS), embora as mortes pela doença tenham caído 88% entre 2000 e 2024, salvando cerca de 58 milhões de vidas, o nível atual de cobertura vacinal está muito abaixo do necessário para conter a transmissão — e os surtos voltam a crescer rapidamente.
Em 2023, 59 países registraram surtos grandes ou disruptivos de sarampo, quase o triplo do observado em 2021. Um dado alarmante é que um quarto desses surtos ocorreu em países que já haviam eliminado a doença, como Canadá e Estados Unidos.
“A eliminação global do sarampo continua sendo uma meta distante”, aponta o relatório. A OMS alerta que os avanços conquistados ao longo de décadas estão em risco devido ao retorno dos surtos, à queda nos índices de vacinação e ao declínio de recursos para programas de imunização — incluindo a redução do apoio dos Estados Unidos à saúde global.
EUA e Canadá em alerta
A perda do status de eliminação preocupa autoridades internacionais. O Canadá já deixou de ser considerado livre de sarampo, e os Estados Unidos correm risco semelhante. Este ano, o país registrou 1.798 casos confirmados, o maior número desde 2000.
“O sarampo continua sendo o vírus mais contagioso do mundo”, afirmou o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus. Ele destacou que, mesmo com uma vacina segura, eficaz e de baixo custo, a doença “explora lacunas na cobertura vacinal”.
Em 2024, mais de 30 milhões de crianças permaneceram subprotegidas no mundo.
Avanços importantes — mas insuficientes
O relatório também destaca conquistas recentes: Cabo Verde, Seychelles e Maurício se tornaram este ano os primeiros países da região africana a eliminar o sarampo, juntando-se a outros 21 países das ilhas do Pacífico, que eliminaram sarampo e rubéola.
Ainda assim, o progresso global é lento. “Os casos e mortes ainda são inaceitavelmente altos”, afirmou Diana Chang Blanc, chefe do Programa Essencial de Imunização da OMS. Ela lembrou que cada morte é evitável com uma vacina acessível.
A especialista também chamou atenção para um dado crítico: três países ainda não adotaram a segunda dose da vacina contra o sarampo como padrão, o que reduz a proteção da população. A segunda dose eleva a eficácia da vacina para 95%, garantindo imunidade duradoura.
Em 2024, apenas 84% das crianças receberam a primeira dose da vacina, e 76%, a segunda.
Efeitos da pandemia e da desinformação
A pandemia de Covid-19 interrompeu campanhas de imunização e afastou milhões de crianças dos serviços de saúde. Embora alguns avanços tenham sido retomados, os níveis de vacinação ainda estão abaixo do período pré-pandemia.
A OMS também ressalta o impacto da desinformação e má informação, que têm alimentado hesitação vacinal em vários países.
O principal problema, porém, continua sendo o acesso. Em muitas regiões, faltam profissionais de saúde treinados, infraestrutura, transporte, laboratórios e sistemas de vigilância — elementos essenciais para manter programas de vacinação consistentes.
Risco de novos surtos em 2025
Segundo o relatório, cortes no financiamento da Rede Global de Laboratórios de Sarampo e Rubéola — que reúne 760 laboratórios responsáveis por identificar e deter surtos — podem ampliar ainda mais as lacunas de imunidade no próximo ano.
“Garantir financiamento sustentável e ampliar parcerias é agora um desafio crítico para avançar rumo a um mundo livre do sarampo”, conclui o documento.
Com o vírus em circulação crescente e milhões de crianças sem a proteção adequada, a OMS reforça: impedir novos surtos depende de recuperar a confiança nas vacinas, fortalecer os sistemas de saúde e garantir que a imunização chegue às populações mais vulneráveis.











