Câmara avança em projeto para derrubar resolução do Conanda sobre aborto legal

Parecer favorável do deputado Luiz Gastão (PSD-CE) abre caminho para votação em plenário; entidades alertam para retrocesso na proteção de vítimas de violência sexual

O Projeto de Decreto Legislativo (PDL) nº 3/2025, que busca derrubar a Resolução nº 258/2024 do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), avançou nesta semana na Câmara dos Deputados. O relator da proposta, deputado Luiz Gastão (PSD-CE), apresentou parecer favorável à derrubada da normativa, aprovada no ano passado e que define diretrizes para o aborto legal em crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. O texto já recebeu aval das comissões de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família e de Constituição e Justiça e Cidadania (CCJ).

No parecer, Gastão argumenta que menores de 16 anos não têm autonomia para decidir e que o aborto deveria ocorrer apenas com boletim de ocorrência ou autorização judicial. O relator também critica a ausência de limite de tempo para o procedimento, afirmando que a resolução poderia, “na prática, autorizar abortos próximos de 40 semanas de gestação”.

Já o Conanda defende que nem sempre os pais ou responsáveis devem ser avisados, sobretudo em casos de violência intrafamiliar, e que a ausência de prazos visa evitar barreiras adicionais às vítimas. A resolução também determina que nenhuma exigência pode “atrasar, afastar ou impedir o pleno exercício do direito à saúde e à liberdade” da criança ou adolescente.

A proposta voltou a tramitar em agosto, após pedido de urgência feito pela deputada Chris Tonietto (PL-RJ), com apoio de parlamentares de partidos como PL, MDB, PSD, Republicanos, União Brasil, Podemos e Avante. Entre os autores do PDL estão nomes como Eduardo Bolsonaro (PL-SP), Bia Kicis (PL-DF), Marco Feliciano (PL-SP) e Zé Trovão (PL-SC). O grupo argumenta que a norma “viola o direito à vida do feto” e fragiliza o chamado poder familiar.

Na outra ponta, organizações e campanhas de defesa dos direitos das crianças criticam duramente a iniciativa. Em nota, a mobilização Criança Não é Mãe classificou o PDL como “grave retrocesso”, destacando que a resolução do Conanda estabelece protocolos humanizados já adotados em outros países e respaldados por parâmetros da OMS. O grupo lembra que, no Brasil, uma adolescente morre por semana por complicações na gestação, e que a gravidez precoce aumenta riscos de mortalidade materna, neonatal e evasão escolar.

Levantamento da Associação de Obstetrícia de Rondônia mostrou que, em 2023, cerca de 14 mil meninas de 10 a 14 anos tiveram filhos no país, mas apenas 154 tiveram acesso ao aborto legal. Estudos da Fiocruz Bahia também apontam que mais de 67% dos estupros cometidos entre 2015 e 2019 tiveram como vítimas meninas dessa faixa etária, sendo que, na maioria dos casos, os agressores eram conhecidos da vítima.

O projeto agora depende da votação em plenário para definição de seu futuro.