
Ex-presidente alternou entre bravatas e receio ao falar sobre possibilidade de prisão; aliados dizem que vídeo divulgado por Flávio foi “isca” para provocar reação internacional
Antes mesmo de ter a prisão domiciliar decretada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), Jair Bolsonaro (PL) já havia manifestado, em diversas ocasiões, a expectativa de ser detido. Ao longo dos últimos meses, o ex-presidente adotou discursos que oscilaram entre bravatas e temor real, afirmando que estava preparado para ser preso, mas também que a prisão representaria “o fim” de sua vida.
A decisão de Moraes foi tomada nesta segunda-feira (4), após reiteradas violações das medidas cautelares impostas ao ex-presidente, como a proibição de uso de redes sociais, inclusive por terceiros. O estopim foi a participação de Bolsonaro, por telefone, em um ato público no Rio de Janeiro, com transmissão nas redes sociais do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do ex-presidente. O vídeo foi apagado horas depois.
Nos bastidores, aliados de Bolsonaro acreditam que a publicação foi uma “isca”, com o objetivo de provocar uma reação do governo dos Estados Unidos ao processo que envolve o ex-presidente, em meio a tensões diplomáticas crescentes.
“Eu preso vou dar trabalho”
Desde o início do ano, Bolsonaro já dava sinais de que esperava a detenção. Em janeiro, declarou à agência Bloomberg que estava “preparado” para ser preso a qualquer momento. “Durmo bem, mas já estou preparado para ouvir a campainha às 6h da manhã: ‘É a Polícia Federal!’”, afirmou, enquanto aguardava as manifestações da Procuradoria-Geral da República (PGR) em três investigações: tentativa de golpe de Estado, fraude no cartão de vacinação e o caso das joias sauditas.
Em fevereiro, após ser denunciado formalmente pela PGR — que atribuiu ao ex-presidente cinco crimes, com penas que somadas podem chegar a 43 anos de prisão — Bolsonaro passou a minimizar os riscos. “Eu preso vou dar trabalho”, afirmou em agenda do PL.
Entretanto, em entrevistas posteriores, voltou a demonstrar apreensão. “É lógico que você não fica tranquilo com uma questão como essa, ninguém quer perder a liberdade”, declarou em abril. Em maio, disse que morreria na prisão: “Eu vou morrer, não vai demorar. Estou com 70 já, quase morri na última cirurgia. Eu com 40 anos de cadeia no lombo, não tenho recurso para lugar nenhum.”
Reincidências e tornozeleira
No dia 18 de julho, o STF impôs a Bolsonaro o uso de tornozeleira eletrônica e outras medidas cautelares, como a proibição de conceder entrevistas ou aparecer em vídeos publicados nas redes sociais. Ainda assim, no dia 21, o ex-presidente discursou na Câmara dos Deputados, com a transmissão feita por aliados, o que motivou Moraes a alertar que a restrição incluía “obviamente” retransmissões.
A defesa alegou desconhecer a vedação específica. Na ocasião, Moraes classificou o episódio como uma “irregularidade isolada” e manteve Bolsonaro em liberdade.
Porém, a reincidência no último domingo (3), quando participou por telefone de um ato em Copacabana transmitido por Flávio Bolsonaro, levou à decisão mais dura: prisão domiciliar, com monitoramento da tornozeleira e reforço na proibição de qualquer manifestação pública.
Prisão e embates internacionais
A detenção domiciliar de Bolsonaro ocorre em meio a uma crise diplomática entre Brasil e Estados Unidos, após a imposição de tarifas de 50% sobre produtos brasileiros por decisão do presidente norte-americano Donald Trump. Aliados bolsonaristas sugerem que a detenção pode ser usada como argumento para denunciar uma suposta perseguição política, com tentativas de articulação de apoio internacional.
Enquanto isso, o julgamento de Bolsonaro na ação penal por tentativa de golpe de Estado está marcado para setembro, na Primeira Turma do STF. A Procuradoria considera o ex-presidente o “líder da organização criminosa” que articulou a ruptura institucional e pediu sua condenação pelos atos mais graves.
Com o agravamento do cerco judicial e político, o futuro de Bolsonaro parece cada vez mais restrito — não apenas no campo eleitoral, mas também em sua liberdade pessoal.