
Com mais de 11 mil casos confirmados em 2025, doença antes restrita à Amazônia avança para o Sudeste e Nordeste; Espírito Santo lidera número de infecções e mortes já superam o total do ano anterior.
Antes concentrada na Região Amazônica, a febre oropouche tem se espalhado por todo o Brasil em 2025, registrando surtos inéditos em estados do Sudeste e Nordeste. O Espírito Santo, a quase 3 mil km do foco original da doença, tornou-se o estado com o maior número de casos no país, somando 6.318 infecções confirmadas, de um total nacional de 11.805 até o momento.
A doença já foi identificada em 18 estados e no Distrito Federal, com cinco mortes confirmadas — quatro no Rio de Janeiro e uma no Espírito Santo — e duas sob investigação. Em comparação com 2024, quando houve 13.856 casos e quatro óbitos, a tendência é de crescimento, tanto em número de infectados quanto de vítimas fatais.
Causada por um vírus transmitido pelo mosquito Culicoides paraensis, conhecido como maruim ou mosquito-pólvora, a febre oropouche provoca sintomas semelhantes aos da dengue, como febre, dor de cabeça, dores musculares e nas articulações. Estudos também apontam risco para gestantes, com possibilidade de microcefalia, malformações e óbito fetal, como já registrado em casos recentes.
Segundo Felipe Naveca, chefe do Laboratório de Arbovírus e Hemorrágicos do Instituto Oswaldo Cruz, uma nova linhagem do vírus surgiu no Amazonas e foi impulsionada pelo desmatamento e pela movimentação de trabalhadores rurais, espalhando-se pelas demais regiões. “O sul do Amazonas e o norte de Rondônia, áreas com desmatamento recente, serviram de base para a dispersão do vírus”, explica Naveca.
Fatores ambientais também favorecem o avanço da doença. O maruim é encontrado em todo o Brasil, mas se prolifera especialmente em regiões úmidas e com matéria orgânica em decomposição — comuns em áreas periurbanas e plantações, como lavouras de banana, cacau e mandioca. A propagação é agravada por eventos climáticos extremos, como o El Niño, que alteram os ciclos de seca e cheia, afetando o ecossistema de vetores e hospedeiros.
No Espírito Santo, as condições encontradas pelo vírus foram ideais: alta densidade do mosquito e população sem imunidade prévia. O subsecretário estadual de Vigilância em Saúde, Orlei Cardoso, destacou a vulnerabilidade das regiões rurais e o impacto da migração de trabalhadores durante a colheita do café. “O vírus se aproveitou da movimentação entre municípios e encontrou terreno fértil para se disseminar”, afirma.
Para enfrentar o avanço da doença, o estado investe em capacitação de profissionais da saúde e agentes comunitários, com foco na diferenciação entre a oropouche e outras arboviroses. Em paralelo, o Ministério da Saúde promove ações de monitoramento, visitas técnicas e estudos sobre uso de inseticidas, em parceria com a Fiocruz e a Embrapa.
No Ceará, que registrou 674 casos em 2025, a situação também preocupa. A doença, que inicialmente apareceu em áreas rurais do Maciço de Baturité, migrou para áreas urbanas, ampliando sua disseminação. O estado já registrou óbito fetal por oropouche e reforça medidas de vigilância laboratorial e orientação às gestantes.
O combate ao mosquito-pólvora representa um desafio inédito. Diferente do Aedes aegypti, o maruim se reproduz em ambientes silvestres, o que exige barreiras químicas entre lavouras e áreas habitadas. Segundo Antonio Lima Neto, secretário executivo de Vigilância em Saúde do Ceará, ainda não há solução simples: “Não é trivial. Estamos estudando alternativas junto ao Ministério da Saúde”.
Com o avanço acelerado da febre oropouche, cientistas e gestores alertam para a necessidade de vigilância contínua, investimentos em pesquisa e campanhas de conscientização para conter uma nova ameaça sanitária no país.