Dois estudos oferecem visões opostas sobre o clima antigo de Marte

Divulgação: NASA

Duas pesquisas recentes reacenderam um dos grandes debates da exploração espacial: como era o clima de Marte há bilhões de anos? A resposta pode definir se o planeta vermelho já foi, de fato, um ambiente propício à vida. Os estudos, embora partam de um ponto comum — a presença de água líquida no passado e uma transição climática entre os períodos Noachiano e Hesperiano — apresentam visões opostas sobre o grau de umidade e estabilidade climática do planeta.

Enquanto uma análise geomorfológica apresentada pelo pesquisador Adam Losekoot, da Open University, no Encontro Nacional de Astronomia 2025, na Inglaterra, sugere longos períodos de clima ameno e úmido, um estudo publicado na Nature pela equipe do cientista Edwin Kite, da Universidade de Chicago, traça um cenário de frio extremo e secas prolongadas, interrompidas por curtos intervalos de degelo.

Mapas fluviais revelam um Marte úmido e com chuvas regulares

O trabalho liderado por Losekoot analisou imagens de alta resolução obtidas por satélites da NASA e revelou mais de 15 mil quilômetros de canais fossilizados em regiões marcianas datadas de cerca de 3,7 bilhões de anos atrás. Essas formações, conhecidas como cristas invertidas, se originam de sedimentos endurecidos depositados por rios antigos, e sugerem que houve um ciclo hidrológico sustentado por chuvas regulares — não apenas por degelos ocasionais.

“Os rios duraram tempo suficiente para formar depósitos sedimentares bem preservados, o que implica uma atmosfera espessa e um clima moderado, com potencial para abrigar vida”, afirmou Losekoot em sua apresentação. Segundo ele, os dados contradizem diretamente as teorias que retratam Marte como um planeta seco e congelado durante o Noachiano, dependendo de eventos pontuais — como erupções ou impactos — para gerar água líquida temporária.

Modelo climático propõe um Marte seco com “oásis temporários”

Na outra ponta do espectro científico está o novo modelo climático computacional de Edwin Kite. Utilizando dados geológicos e químicos coletados pelo rover Curiosity, o estudo aponta que, embora Marte tenha tido um início relativamente quente, com grandes lagos e mares comparáveis ao Mar Cáspio, esse período foi curto e instável.

Kite explica que a água líquida em Marte facilitou reações químicas com minerais, formando carbonatos que sequestraram o CO₂ da atmosfera — o principal gás de efeito estufa — e, com isso, resfriaram o planeta de forma irreversível. Resultado: há cerca de 3,5 bilhões de anos, Marte teria entrado em uma longa era de frio intenso e secura, com apenas raros e breves oásis de degelo que duravam cerca de 100 mil anos — tempo considerado insuficiente para o desenvolvimento sustentado de vida.

Ainda assim, Kite ressalta que descobertas recentes de compostos orgânicos complexos, como alcanos de cadeia longa, mantêm aberta a possibilidade de vida subterrânea no passado marciano. “Ainda não podemos fechar completamente a porta para a vida em Marte”, afirmou em nota.

Implicações para a busca por vida

As consequências desses estudos vão além da geologia. O cenário de chuvas persistentes e rios estáveis apresentado por Losekoot seria muito mais favorável à habitabilidade, com ambientes capazes de sustentar formas de vida por períodos geologicamente significativos. Já o modelo de Kite aponta para um planeta hostil, árido e imprevisível, em que apenas nichos subterrâneos poderiam ter oferecido abrigo para microrganismos.

Ambos os trabalhos concordam, porém, que houve uma transição climática importante no limite entre os períodos Noachiano e Hesperiano, quando Marte passou de um ambiente mais quente para um mais frio — um ponto crucial na história do planeta que continua sendo objeto de intensas investigações.

Próximos passos

Para especialistas, os dois estudos complementam um quadro ainda incompleto. “São perspectivas distintas que enriquecem o debate”, afirma o geólogo planetário brasileiro Eduardo Janot, que não participou das pesquisas. “Agora, o desafio é combinar esses dados com futuras missões robóticas e, quem sabe, humanas, para entender melhor o que realmente aconteceu.”

Seja como um planeta coberto por rios e chuvas ou como um deserto gelado com raros lampejos de umidade, Marte continua a surpreender — e a desafiar nossa compreensão sobre a evolução dos mundos e a possibilidade de vida além da Terra.