Mais de 14 milhões de crianças seguem sem vacinação no mundo, alerta relatório da OMS e Unicef

Zonas de conflito, falta de acesso e desinformação ameaçam avanços na imunização infantil global

Um novo relatório divulgado nesta segunda-feira (14) pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) revela que 14,3 milhões de crianças em todo o mundo continuam completamente não vacinadas. Embora tenha havido um leve avanço em relação ao ano anterior, com 171 mil crianças a menos sem vacinas em comparação com 2023, o número ainda é considerado alarmante por especialistas em saúde pública.

A pesquisa, que reúne dados de 195 países, destaca que outras 5,7 milhões de crianças receberam proteção parcial, por não completarem os esquemas vacinais recomendados. A principal razão para a baixa cobertura, segundo a OMS, não é hesitação vacinal, mas a falta de acesso a serviços de imunização, especialmente em regiões de difícil alcance ou em zonas de conflito.

“A principal razão pela qual as crianças não são vacinadas é a falta de acesso. Elas estão em locais perigosos, de difícil acesso, onde até os próprios governos enfrentam dificuldades para atuar”, explicou Kate O’Brien, diretora do Departamento de Imunização da OMS, em coletiva de imprensa. “Estamos vendo um teto de vidro muito resistente. Quebrá-lo está cada vez mais difícil.”

Conflitos e fragilidade

O relatório aponta que metade de todas as crianças não vacinadas no mundo vive em países afetados por conflitos, instabilidade ou crises humanitárias. Nessas regiões, crianças têm três vezes mais chances de não receber nenhuma dose de vacina do que aquelas em países considerados estáveis.

Nove países concentraram 52% de todas as crianças não vacinadas no último ano: Nigéria, Índia, Sudão, República Democrática do Congo, Etiópia, Indonésia, Iêmen, Afeganistão e Angola.

Desinformação e ressurgimento de doenças

Embora o maior desafio global seja o acesso, a desinformação também tem afetado a cobertura vacinal, especialmente em países de alta renda. “Existem comunidades com baixas taxas de vacinação escondidas dentro de médias nacionais estáveis, e é nelas que os surtos estão acontecendo”, afirmou O’Brien.

Nos Estados Unidos, um surto de sarampo no oeste do Texas, onde há baixa adesão vacinal, já resultou em mais casos este ano do que em qualquer outro desde que a doença foi considerada eliminada no país há 25 anos. Mais de 90% dos infectados não estavam vacinados ou tinham situação vacinal desconhecida, segundo os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC).

“A desinformação reflete uma desconfiança nos sistemas que oferecem as vacinas e nos profissionais de saúde”, ressaltou Ephrem Lemango, diretor de imunização do Unicef. “É parte de um ecossistema mais amplo que precisa ser enfrentado com urgência.”

Avanços pontuais e estagnação geral

Apesar dos desafios, o relatório traz alguns sinais positivos, como a melhora na cobertura da vacina contra o papilomavírus humano (HPV). Em 2024, 31% das meninas receberam a primeira dose, contra 27% em 2023 e 20% em 2022. A cobertura completa entre meninas também subiu para 28%, frente aos 21% do ano anterior. O avanço é atribuído, em parte, à introdução da vacina em países como Nigéria e Bangladesh.

Em contrapartida, a vacinação contra doenças como difteria, tétano, coqueluche e sarampo segue estagnada. Cerca de 89% dos bebês receberam a primeira dose da vacina DTP em 2024, o mesmo índice de 2023 e 2022. Já 85% completaram o esquema com três doses. A primeira dose da vacina contra o sarampo chegou a 84% das crianças, mas ainda está abaixo dos níveis pré-pandemia (86% em 2019). A segunda dose subiu ligeiramente, para 76%.

“A boa notícia é que conseguimos alcançar mais crianças com vacinas que salvam vidas. Mas milhões ainda estão desprotegidas, e isso deveria preocupar a todos nós”, declarou Catherine Russell, diretora-executiva do Unicef. “Precisamos agir com determinação para superar os obstáculos: sistemas de saúde frágeis, cortes orçamentários, zonas de conflito e a crescente desinformação.”

Financiamento em risco

O relatório também surge em um momento de alerta para o financiamento global da imunização. Mudanças na política externa dos Estados Unidos, como a desmobilização da USAID e reduções no apoio ao Fundo Global de Combate à Aids, Tuberculose e Malária, geram preocupações sobre o futuro de campanhas de vacinação em países vulneráveis.

“Cortes drásticos em ajuda humanitária e a desinformação sobre vacinas ameaçam décadas de progresso”, disse Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS. “Seguimos comprometidos em apoiar soluções locais e ampliar o investimento doméstico para garantir que nenhuma criança fique sem proteção.”

Para Dan Barouch, diretor do Centro de Pesquisa em Virologia e Vacinas do Beth Israel Deaconess Medical Center, o cenário exige ação imediata. “Quatorze milhões de crianças sem nenhuma vacina ainda é um número inaceitável. A vacinação infantil é uma das intervenções mais eficazes e com melhor custo-benefício já desenvolvidas.”