Estudo alerta para riscos climáticos em projetos de restauração do Rio Doce

© Tânia Rêgo/Agência Brasil

Pesquisa da Uerj mostra que mudanças climáticas podem comprometer a qualidade da água e exige nova estratégia para restaurar ecossistemas degradados na bacia


As ações de recuperação ambiental atualmente em curso na Bacia do Rio Doce — que abrange os estados de Minas Gerais e Espírito Santo — podem se tornar ineficazes no futuro se não considerarem os impactos das mudanças climáticas. O alerta é resultado da pesquisa “Adaptive Restoration Planning to Enhance Water Security in a Changing Climate”, realizada pelo Laboratório de Ecologia e Conservação de Ecossistemas (LECE) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), e publicada em abril na revista internacional Ambio.

O trabalho, desenvolvido no mestrado do biólogo Luiz Conrado Silva, utilizou a metodologia InVEST, da Universidade de Stanford, para simular diferentes cenários climáticos até 2070. O foco foi entender como a restauração da vegetação nativa nas margens dos rios — prevista pela Lei de Proteção à Vegetação Nativa (2012) — pode influenciar na qualidade da água, fortemente impactada após o rompimento das barragens de Fundão (2015) e Brumadinho (2019).

De acordo com o estudo, sem incorporar as projeções climáticas no planejamento de restauração, os atuais esforços podem falhar no longo prazo. A expectativa é de aumento na erosão e na exportação de sedimentos para o rio, o que compromete a segurança hídrica de mais de 2,2 milhões de pessoas dependentes da bacia.

“Mesmo nas áreas menos degradadas da porção alta do Rio Doce, o aumento das chuvas projetado poderá provocar o escoamento de grandes volumes de sedimentos. Sem uma abordagem climática, restaurações atuais podem se mostrar ineficazes no futuro”, alerta a professora Aliny Pires, que orientou o estudo.

Necessidade de novas prioridades

A pesquisa sugere que a recuperação de margens, embora essencial, não será suficiente em sub-bacias como a do Rio Santo Antônio. Nesses casos, será necessário ampliar a restauração para além da vegetação ribeirinha, envolvendo corredores ecológicos e áreas de transição.

Segundo o levantamento, a exportação de sedimentos pode crescer em até 500 mil toneladas ao ano apenas na sub-bacia de Santo Antônio, 345 mil na de Piracicaba e 140 mil na de Piranga. No entanto, a restauração adequada das margens pode reduzir esse transporte de sedimentos em até 90%.

A professora Aliny Pires enfatiza que é urgente proteger também áreas ainda bem conservadas, frequentemente negligenciadas nos planos de restauração. “É preciso restaurar as áreas degradadas da porção alta e conservar aquelas que já estão preservadas, especialmente em regiões que influenciam diretamente a qualidade da água de toda a bacia”, destacou.

Protocolo replicável

Além de contribuir com a recuperação do Rio Doce, o estudo propõe um protocolo que pode ser aplicado em outras regiões degradadas do Brasil, considerando os serviços ecossistêmicos e os impactos das mudanças climáticas. Para Luiz Conrado, o objetivo sempre foi produzir uma pesquisa que melhorasse a vida das pessoas.

“A restauração ecológica precisa ser estratégica. Queremos mostrar como incorporar a avaliação climática para guiar decisões mais eficientes, e esperamos mobilizar governos, pesquisadores, mineradoras e órgãos ambientais para que isso seja considerado”, afirmou o biólogo.

A equipe da Uerj pretende agora apresentar os resultados da pesquisa a tomadores de decisão envolvidos com a recuperação do Rio Doce, incluindo representantes de governos estaduais, ICMBio e empresas mineradoras. A expectativa é que os dados subsidiem políticas públicas e restaurações mais eficazes, com benefícios duradouros para o meio ambiente e a população.