
Fase que sucede o parto envolve intensas transformações físicas, emocionais e sociais; especialistas defendem atenção ampliada à saúde da mulher e o fortalecimento das redes de apoio
O puerpério, período que se inicia logo após o parto, é uma das fases mais desafiadoras e delicadas da vida de quem acaba de dar à luz. Embora se convencione que esse estágio dure até seis semanas, especialistas alertam que seus efeitos – especialmente os emocionais – podem se estender por meses, exigindo atenção contínua.
“É um momento de intensas transformações físicas e hormonais, mas também de grandes mudanças emocionais e sociais. Não apenas o bebê precisa de cuidados, mas também a puérpera”, afirma a ginecologista e obstetra Carla Betarelli, do Hospital e Maternidade Pro Matre Paulista.
A recuperação do parto, a oscilação hormonal e as exigências de cuidado com o recém-nascido se somam, gerando quadros de tristeza, ansiedade e insegurança. A médica explica que a queda abrupta de hormônios como a progesterona pode desencadear alterações de humor, chamadas de blues puerperal, que atingem entre 50% e 85% das mulheres no pós-parto.
A amamentação além do ideal
Apesar de idealizada, a amamentação pode representar um momento de dor e angústia para muitas mães. “São comuns os relatos de dor, sangramento e insegurança quanto à produção de leite”, relata Fernanda Andrade, coordenadora de Enfermagem da startup L2D Saúde Digital. A empresa atua em projetos que acompanham mulheres durante os 60 dias pós-parto em unidades de saúde no interior de São Paulo.
Com orientação e acolhimento, o que poderia ser um desafio se transforma em um momento de conexão. “A orientação sobre pega correta, posições e higiene faz toda a diferença para que a mãe se sinta segura”, reforça Fernanda.
Autocuidado sem culpa
No turbilhão de emoções e responsabilidades do puerpério, o autocuidado frequentemente é deixado de lado – muitas vezes por culpa. Fernanda enfatiza que é justamente o cuidado com a mãe que garante o bem-estar do bebê: “A mulher precisa entender que cuidar de si é essencial para cuidar do outro”.
O valor da rede de apoio
Seja com uma refeição pronta, uma conversa ou auxílio em tarefas domésticas, a rede de apoio pode transformar o puerpério. “Infelizmente, muitas mulheres não contam com esse suporte e enfrentam essa fase de forma solitária”, alerta Fernanda. A ausência dessa rede amplia o risco de sobrecarga física e emocional.
Mitos que ainda persistem
Velhas crenças ainda cercam o pós-parto e comprometem a saúde da mulher. Entre os principais mitos desmentidos por Carla Betarelli estão:
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Não pode lavar os cabelos após o parto: falso – a higiene é necessária e recomendada.
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Amamentar evita nova gravidez: falso – não é um método contraceptivo seguro.
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Só pode comer canja: falso – a alimentação deve ser variada e equilibrada.
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Não pode levantar após a anestesia: falso – técnicas modernas permitem movimentação precoce.
Risco de vida: os dados alarmantes
Embora o foco do pós-parto ainda esteja centrado no bebê, os riscos à saúde materna não podem ser negligenciados. Segundo dados do Ministério da Saúde, 62 mulheres morreram em 2024 por infecção puerperal. Já o Observatório Obstétrico Brasileiro aponta 400 mortes no puerpério em 2024 – número que pode crescer conforme os dados se consolidam.
“Infecções na ferida operatória estão entre as principais causas de morte no pós-parto. Dores intensas, febre persistente e secreções devem ser levadas imediatamente ao médico”, reforça Carla.
Um olhar ampliado para o puerpério
O projeto da L2D Saúde busca promover o acompanhamento contínuo da mulher puérpera, com ações educativas e de apoio que vão além das seis semanas convencionais. “Queremos mudar a lógica de olhar apenas para o bebê. A saúde da mãe também importa – e muito”, defende Fernando Palma, diretor de projetos da startup.
Fernanda complementa: “A proposta é apoiar o binômio mãe-bebê e garantir que a mulher não enfrente esse momento tão intenso sozinha”.