Bancadas acionam STF para barrar tramitação de projeto que reduz penas do 8 de Janeiro

Mandado de segurança aponta manobra no Senado, violação ao bicameralismo e risco de interferência em julgamentos da trama golpista

Quatro bancadas da Câmara dos Deputados ingressaram com mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender a tramitação do chamado Projeto de Lei da Dosimetria, que reduz penas de condenados pela tentativa de golpe de Estado associada aos atos de 8 de janeiro de 2023, quando as sedes dos Três Poderes foram invadidas e depredadas, em Brasília.

A ação foi apresentada pelas bancadas do PT, PSB, PCdoB e PSOL, que contestam a forma acelerada com que o projeto avançou no Senado Federal. A proposta foi apreciada “a toque de caixa” na quarta-feira (17): teve parecer apresentado pela manhã na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) pelo relator, senador Esperidião Amin (PP-SC), e seguiu no mesmo dia para votação em Plenário, onde foi aprovada por 48 votos a favor e 25 contrários.

Segundo o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias, o mandado de segurança aponta vícios formais graves no processo legislativo. Um dos principais argumentos é que uma emenda aprovada na CCJ foi classificada como “emenda de redação”, quando, na prática, promove alteração substancial de mérito, ao modificar critérios de execução penal e excluir centenas de tipos penais do alcance da norma.

De acordo com a liderança petista, a manobra teria sido usada para impedir o retorno obrigatório do projeto à Câmara dos Deputados, suprimindo uma etapa essencial da deliberação legislativa. “Isso esvazia o papel constitucional da Casa iniciadora e burla o bicameralismo previsto na Constituição”, afirmou Lindbergh.

Trâmite contestado na CCJ

Durante a análise na CCJ do Senado, parlamentares apresentaram requerimentos para adiar a votação ou realizar audiência pública, diante da relevância do tema. Todos foram rejeitados. Senadores governistas também pediram vista para analisar melhor o texto. O pedido foi concedido pelo presidente da comissão, senador Otto Alencar (PSD-BA), mas com um prazo reduzido de apenas quatro horas.

Tradicionalmente, pedidos de vista na CCJ têm prazo de até cinco dias. Caso essa regra tivesse sido mantida, a votação ficaria para 2026, já que o ano legislativo se encerra nesta quinta-feira (18).

Impasses e mudança no texto

Entre os principais impasses esteve a dúvida sobre se o projeto poderia beneficiar condenados por crimes violentos, organização criminosa, crimes eleitorais e de responsabilidade, entre outros. Diante da controvérsia, o relator incorporou uma emenda prevendo que os efeitos do texto se restringiriam apenas aos condenados pelos atos de 8 de janeiro.

Como as alterações foram enquadradas como de redação, e não de mérito, o projeto não precisará retornar à Câmara dos Deputados e segue diretamente para sanção presidencial.

Questionamentos jurídicos

Em nota, a liderança do PT afirmou que, caso sancionado, o PL da Dosimetria terá impacto direto sobre réus da trama golpista com julgamentos em curso no STF. O partido sustenta que houve supressão indevida do prazo regimental de vista, sem regime de urgência formal e sem justificativa objetiva, o que teria restringido o debate parlamentar e violado direitos das minorias.

“A combinação desses vícios revela fraude ao processo legislativo e risco concreto de interferência indevida em julgamentos penais em curso no STF”, argumenta a liderança, defendendo a atuação do Judiciário para preservar a separação de poderes e o Estado Democrático de Direito.

Histórico e reações

O Projeto de Lei da Dosimetria foi aprovado pela Câmara dos Deputados em 9 de dezembro. No dia seguinte, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), encaminhou a proposta à CCJ, designando como relator Esperidião Amin, senador alinhado ao ex-presidente Jair Bolsonaro.

Questionado sobre o tema, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que só decidirá sobre eventual sanção quando o texto chegar oficialmente ao Poder Executivo.

Diante do avanço da proposta, manifestações contrárias ocorreram em diversas cidades brasileiras no domingo (14), organizadas pelas frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo. Especialistas ouvidos pela Agência Brasil avaliam que o projeto pode gerar efeitos mais amplos, inclusive reduzindo o tempo de progressão de pena para alguns criminosos comuns.

O que prevê o PL da Dosimetria

O projeto altera o cálculo das penas ao determinar que os crimes de tentativa de golpe de Estado e de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, quando praticados no mesmo contexto, resultem na aplicação apenas da pena mais grave, e não na soma das penas.

O texto também reduz o tempo necessário para progressão do regime prisional do fechado para o semiaberto ou aberto. As mudanças podem beneficiar réus investigados pela trama golpista, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro, além de militares e ex-integrantes do alto escalão do governo anterior, como Almir Garnier, Paulo Sérgio Nogueira, Walter Braga Netto e Augusto Heleno.