
O promotor de Justiça Lincoln Gakiya, uma das principais autoridades no combate ao Primeiro Comando da Capital (PCC) em São Paulo, afirmou nesta terça-feira (25) que a falta de integração entre as forças de segurança brasileiras é hoje o maior obstáculo no enfrentamento às facções criminosas. Em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Crime Organizado do Senado, o promotor, jurado de morte pelo PCC, avaliou que o país “caminha a passos largos” para se tornar um narcoestado caso nenhuma ação coordenada seja adotada.
“Há 34 anos no Ministério Público, nunca vi as forças de segurança atuarem de forma coordenada, integrada, cooperativa e com sinergia. O que vejo hoje, infelizmente, são disputas institucionais entre as polícias e o MP”, afirmou.
A CPI foi instalada após a operação policial no Rio de Janeiro que resultou na morte de 122 pessoas, entre elas cinco agentes de segurança.
Gakiya alertou que facções, especialmente o PCC, já atuam de forma ampla na economia formal, utilizando fintechs, criptomoedas e plataformas de apostas online (bets) para lavagem de dinheiro e ocultação de patrimônio em um ambiente de baixa regulação.
“Se nada for feito, nós nos tornaremos sim um narcoestado”, disse. “As facções estão infiltradas na economia formal e usam o sistema financeiro digital para lavar dinheiro.”
Segundo ele, a receita anual do PCC passou de cerca de R$ 10 milhões, em 2010, para aproximadamente R$ 10 bilhões, e o grupo já tem presença em todas as unidades da federação e em pelo menos 28 países.
O promotor citou ainda o caso de empresas de transporte coletivo em São Paulo que, segundo investigações, eram controladas pelo PCC e transportavam mais de 25 milhões de passageiros por mês. “Essas empresas faturavam mais de R$ 1 bilhão por ano da prefeitura só em subvenções”, afirmou, destacando que diretores ligados ao grupo estavam na lista de difusão vermelha da Interpol.
Polarização política agrava falta de cooperação, diz promotor
A desarticulação entre os órgãos de segurança, segundo Gakiya, é agravada pela polarização política entre governos estaduais e federal.
“A polarização política que tomou conta do país acaba prejudicando ainda mais essa integração”, destacou.
Ele citou a Operação Carbono Oculto, da Polícia Federal, que investigou lavagem de dinheiro do PCC em São Paulo, para afirmar que a ação só ocorreu devido ao empenho de servidores, e não por uma política institucional coordenada.
“Dificilmente teríamos a Operação Carbono Oculto hoje se as forças federais teriam cooperação em nível de chefia com forças estaduais quando são governos politicamente opostos. Isso me preocupa bastante”, afirmou.
Como alternativa, Gakiya propôs a criação de uma Autoridade Nacional para combater o crime organizado, reunindo representantes das polícias e de diferentes órgãos do Estado. Segundo ele, a Polícia Federal não deveria coordenar diretamente esse órgão, para evitar choques federativos.
“Seria uma maneira de superar as disputas internas e corporativas que hoje impedem uma ação eficaz”, explicou.
O governo federal afirma que a PEC da Segurança Pública, enviada ao Congresso, aprofunda a integração entre as forças. No entanto, o texto enfrenta resistência na Câmara.
Críticas ao PL Antifacção
O promotor também criticou pontos do PL Antifacção aprovado na Câmara. Para ele, o texto não diferencia adequadamente líderes e “soldados” das organizações criminosas, nem distingue facções estruturadas de grupos menores.
“Precisamos classificar isso melhor. As organizações tipo ‘máfia’ exigem ferramentas processuais mais intrusivas, como ocorre na Itália”, explicou.
Gakiya também discordou da mudança que retira do Tribunal do Júri os casos de homicídios cometidos por faccionados, sob alegação de possível coação de jurados. “Entendo a preocupação, mas saibam que os juízes também sofrem pressão”, afirmou.
Fintechs, bets e criptomoedas: portas abertas para lavagem de dinheiro
O promotor destacou ainda a pouca regulação das fintechs e das plataformas de apostas online como um dos principais fatores que facilitam o crescimento financeiro das facções.
“Até a Operação Carbo-Ocupo, o Banco Central não fiscalizava as fintechs e o Coaf não tinha suas informações”, disse.
Ele afirmou que contratos entre influenciadores digitais e casas de apostas têm sido usados para lavar dinheiro em larga escala: “Logo isso vai vir à tona”.
Em junho, a CPI das Bets no Senado teve seu relatório rejeitado pela maioria dos membros — o primeiro relatório de CPI barrado em dez anos.










