
Pesquisa publicada no The Lancet Microbe revela vírus com potencial de persistência prolongada no trato reprodutivo masculino; especialistas destacam importância de orientação e prevenção
Pesquisadores de diversos centros europeus identificaram 22 vírus capazes de persistir no sêmen após a infecção aguda, abrindo espaço para potenciais formas de transmissão ainda pouco compreendidas e até para o surgimento de novos surtos. Os resultados foram divulgados em um artigo no periódico The Lancet Microbe.
De acordo com a infectologista Emy Akiyama Gouveia, do Hospital Israelita Albert Einstein, a presença de vírus no sêmen não é um fenômeno inédito, mas sua relevância epidemiológica ainda é frequentemente subestimada.
“Há casos em que, após uma virose, como a zika, constatou-se que a forma de transmissão foi via sexual”, explica. Ela reforça, porém, que os vírus avaliados no estudo não devem ser confundidos com as doenças sexualmente transmissíveis tradicionais, como HIV e sífilis. A literatura já reconhece, há décadas, a presença de patógenos como hepatites B e C e citomegalovírus no fluido seminal em infecções crônicas.
Mapeamento e tempo de persistência
Para chegar aos resultados, os autores revisaram 373 estudos científicos, avaliando tanto a detecção dos vírus no sêmen quanto o período em que permanecem viáveis após o início da infecção.
Entre os 22 vírus identificados, apenas nove já tinham alguma evidência de transmissão sexual, entre eles ebola, hepatite E, mpox, dengue, zika e marburg vírus. A mpox, por exemplo, teve a via sexual como fator crucial para a disseminação global nos surtos de 2022 e 2024.
Outros agentes, como Sars-CoV-2 (causador da Covid-19), febre amarela, adenovírus e chikungunya, apesar de detectados no sêmen, não possuem comprovação de transmissão sexual.
O ebola foi o vírus com maior tempo de permanência no sêmen: 988 dias após a alta hospitalar do paciente. Outros apresentaram persistência muito menor, como dengue (cerca de um mês), chikungunya (dois meses) e Covid-19 (81 dias). O patógeno com menor permanência, apenas oito dias, foi o vírus da febre da floresta de Kyasanur, endêmico no sul da Índia.
Presença não significa transmissão
Os pesquisadores ressaltam que detectar um vírus no sêmen não é suficiente para considerá-lo sexualmente transmissível. Fatores como carga viral, eficiência do sistema imune e capacidade do patógeno de infectar células do trato reprodutivo são determinantes. Em alguns casos, a alta persistência pode refletir um comprometimento imunológico do paciente, e não necessariamente transmissibilidade.
Implicações para saúde pública
Embora muitas das transmissões não estejam comprovadas, o mapeamento serve de alerta para médicos e autoridades sanitárias. A persistência de vírus no sêmen pode exigir recomendações específicas, como o uso de preservativos por determinado período após a infecção — orientação que nem sempre é lembrada em consultas clínicas.
“Após essas infecções, o paciente teria que ser orientado a usar preservativo por um tempo variável, dependendo da doença. Mas às vezes se desconhece esse potencial de transmissão e, por isso, acaba-se esquecendo de orientar esse cuidado”, afirma Emy Gouveia.
Os autores reconhecem limitações no estudo, incluindo diferenças metodológicas entre as pesquisas analisadas, mas reforçam que a identificação desses vírus é fundamental para prevenir transmissões silenciosas e orientar políticas de saúde mais eficazes.









