
Governo federal resiste à ideia, enquanto governadores e parte do Congresso defendem endurecimento das leis; proposta tramita na Câmara dos Deputados
A megaoperação policial realizada no Rio de Janeiro, que terminou com mais de 100 mortos nesta terça-feira (28), reacendeu o debate sobre a possibilidade de enquadrar facções criminosas como grupos terroristas. A ação, que teve como alvo o Comando Vermelho (CV), gerou reações políticas imediatas e reacendeu discussões jurídicas no Congresso Nacional.
De um lado, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e especialistas em segurança pública afirmam que o Comando Vermelho e o Primeiro Comando da Capital (PCC) não possuem motivações ideológicas — elemento considerado essencial para a definição de terrorismo. Do outro, governadores e parlamentares da oposição, como Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) e Romeu Zema (Novo-MG), defendem que a nova classificação fortaleceria o combate ao crime organizado, ao facilitar o bloqueio de recursos e a cooperação internacional.
Atualmente, as duas facções são enquadradas como organizações criminosas pela Lei nº 12.850/2013, que prevê instrumentos como interceptações telefônicas, delações premiadas e acordos internacionais. Para que fossem tratadas como terroristas, seria necessária uma mudança na Lei Antiterrorismo (Lei nº 13.260/2016).
Na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei nº 1.283/2025, de autoria do deputado Danilo Forte (União-CE), propõe ampliar o conceito de terrorismo para incluir organizações criminosas e milícias que dominem territórios ou pratiquem atos de violência contra o Estado. A proposta já teve regime de urgência aprovado e aguarda inclusão na pauta do plenário pelo presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB).
O secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite (PP), deve reassumir seu mandato parlamentar para relatar o projeto. Segundo ele, a classificação é necessária diante da gravidade dos ataques. “Quem lança granadas contra as tropas policiais não tem outra classificação”, afirmou.
O governo federal, no entanto, discorda. O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, reiterou que facções como o PCC e o CV não se enquadram no conceito de terrorismo. “Esses grupos não possuem motivação ideológica, mas econômica. O objetivo é o lucro, não a perturbação política ou social”, explicou.
A posição é respaldada por especialistas da área. Samira Bueno, diretora do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, considera “uma grande bobagem” a tentativa de equiparar o tráfico ao terrorismo. “O que o Comando Vermelho e o PCC fazem é por dinheiro. Não há motivação política, há busca por lucro”, afirmou.
O promotor paulista Márcio Christino, autor do livro Laços de Sangue – A História Secreta do PCC, reforça a diferença conceitual. “No terrorismo, como nos ataques do Hamas a Israel em 2023, não há objetivo financeiro. As facções brasileiras se comportam como cartéis, voltados ao tráfico e à lavagem de dinheiro”, analisa.
Para o ex-secretário nacional de Segurança Pública José Vicente Filho, o país já possui instrumentos suficientes para endurecer o combate às facções. “O pacote Antimáfia apresentado pelo Ministério da Justiça traz medidas eficazes. Não é necessário criar uma nova classificação jurídica”, afirma.
Apesar das divergências, o debate político deve continuar. Governadores aliados à oposição prometem pressionar o Congresso pela votação do projeto ainda neste ano, enquanto o governo federal aposta no avanço de seu próprio pacote legislativo de segurança.
No centro da disputa está uma questão de fundo: até que ponto a redefinição legal pode reforçar o combate ao crime sem distorcer o conceito de terrorismo e abrir brechas para seu uso político?
 

