
Com apoio da FAPDF, cientistas analisam a função da enzima SETDB1 e seu papel na agressividade da doença
O câncer de mama é o tipo mais incidente entre as mulheres no Brasil e uma das principais causas de morte por câncer no mundo. Segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA), são estimados 73.610 novos casos por ano no país no período de 2023 a 2025. No Distrito Federal, a estimativa é de 1.030 novos casos anuais no mesmo período, com uma taxa de incidência ajustada de 49,8 casos por 100 mil mulheres. Esse cenário reforça a relevância de pesquisas como a desenvolvida na Universidade de Brasília (UnB) — dados do INCA, Estimativas 2023-2025: Controle do Câncer de Mama, que conta com apoio da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAPDF).
Apoiada pelo programa FAPDF Learning (BIO Learning 2023), a UnB desenvolve um projeto que busca compreender o papel da enzima SETDB1 em etapas críticas da progressão tumoral, como crescimento celular descontrolado, capacidade de migração e invasão e a chamada transição epitélio-mesenquimal (EMT) — processo em que células tumorais ganham mobilidade e tornam-se capazes de formar metástases.
A pesquisa é conduzida por Ana Cristina Moura Gualberto, bióloga imunologista, doutora e mestre pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), atualmente pesquisadora de pós-doutorado no Laboratório de Patologia Molecular do Câncer da UnB, coordenado por Fábio Pittella. “Há evidências crescentes de que a SETDB1 regula vias associadas à metástase. Nosso objetivo é elucidar, com precisão, como a ausência dessa enzima altera o comportamento tumoral”, afirma Ana Cristina.
O papel da FAPDF e da equipe
Segundo a pesquisadora, o apoio da FAPDF teve impacto direto: “O suporte da FAPDF foi fundamental para viabilizar este projeto, garantindo insumos de alto custo, fortalecendo a infraestrutura laboratorial e promovendo a formação de novos talentos científicos no Distrito Federal”, afirma Ana Cristina Moura Gualberto.
A equipe conta com Fábio Pittella, referência internacional em patologia molecular do câncer, além das professoras Jacy Gameiro e Sara Malaguti, especialistas em imunologia e oncologia experimental. Alunos de doutorado e graduação completam o time, participando de análises de biologia molecular e experimentos funcionais.
Para o diretor-presidente da FAPDF, Leonardo Reisman, iniciativas como esta reforçam o compromisso da Fundação em apoiar pesquisas de impacto direto para a sociedade:
“O câncer de mama atinge milhares de mulheres todos os anos e representa um grande desafio para a saúde pública. Apoiar uma pesquisa que busca compreender mecanismos da metástase e abrir caminhos para novas terapias é investir não apenas em ciência de ponta, mas também em qualidade de vida e esperança para a população do Distrito Federal e do Brasil.”
“O câncer de mama atinge milhares de mulheres todos os anos e representa um grande desafio para a saúde pública. Apoiar uma pesquisa que busca compreender mecanismos da metástase e abrir caminhos para novas terapias é investir não apenas em ciência de ponta, mas também em qualidade de vida e esperança para a população do Distrito Federal e do Brasil”
O que é SETDB1?
A SETDB1 é uma metiltransferase, isto é, uma enzima que adiciona grupos químicos chamados metil a proteínas — especialmente às histonas, moléculas que organizam o DNA dentro da célula e regulam se determinados genes ficam “ligados” ou “desligados”. Esse tipo de modificação é conhecido como epigenética, porque altera o funcionamento do gene sem mudar a sequência do DNA.
Nos tumores de mama e em outros tipos de câncer, como fígado, pulmão e leucemias, a SETDB1 aparece frequentemente desregulada, o que está relacionado à maior agressividade e potencial de formação de metástases. Evidências científicas mostram que essa enzima participa de mecanismos que desligam genes supressores de tumor e ativam vias ligadas à invasão e proliferação celular. Segundo Ana Cristina, compreender detalhadamente esse papel é essencial: “Ainda há lacunas sobre os mecanismos moleculares finos da SETDB1. Ao eliminarmos esse gene com o sistema CRISPR/Cas9, conseguimos observar de forma causal o que muda na célula tumoral — desde seu comportamento até as vias biológicas que regulam sua agressividade.”
Como a pesquisa é feita
O estudo usa a técnica CRISPR/Cas9 — uma espécie de “tesoura genética” capaz de cortar o DNA em pontos específicos — para inativar o gene SETDB1 em linhagens de células de câncer de mama. Esse processo é chamado de knockout, que significa a eliminação completa da função de um gene, permitindo observar como sua ausência altera o comportamento celular.
A partir daí, a equipe compara as células editadas com células não modificadas em uma série de ensaios:
Proliferação: mede o crescimento acelerado das células;
Clonogenicidade: avalia a capacidade de uma única célula formar colônias e dar origem a novas populações;
Migração e invasão: verificam como as células se deslocam e atravessam barreiras simuladas em laboratório;
Transição epitélio-mesenquimal (EMT): medida por marcadores como E-caderina (associada ao estado epitelial) e N-caderina (associada ao estado mesenquimal), que indicam o potencial de mobilidade da célula tumoral;
Perfil molecular: análises de RNA-seq, um tipo de sequenciamento que mostra quais genes estão sendo expressos em determinado momento, revelando redes regulatórias influenciadas por SETDB1;
Confirmação genética: por meio de PCR em tempo real (qRT-PCR), técnica que mede a quantidade de RNA de genes específicos, indicando se eles estão mais ou menos ativos após o knockout.
Os experimentos também se estendem a modelos animais, para verificar se as alterações observadas em laboratório se confirmam no organismo vivo.
Comparado a técnicas mais antigas, como o RNA de interferência (RNAi) — que apenas reduz temporariamente a atividade de um gene — o CRISPR/Cas9 oferece knockout permanente, maior precisão e possibilidade de criar modelos estáveis para estudos de longo prazo.
Resultados esperados e impacto
A expectativa é que o knockout da enzima SETDB1 leve a uma redução do potencial metastático, com menor proliferação, migração e invasão das células tumorais. Além disso, a análise transcriptômica — isso é, o estudo do conjunto de RNAs produzidos pela célula em determinado momento, que revela quais genes estão ativos e em que intensidade — deve indicar novos alvos terapêuticos e biomarcadores — características biológicas que servem como sinais para diagnóstico ou monitoramento de doenças.
“A edição gênica nos dá um modelo estável e preciso. Isso reforça a confiabilidade dos achados quando cruzamos resultados em células, em animais e em análises moleculares”, explica a pesquisadora.
No futuro, essa linha de investigação pode dar origem a testes de diagnóstico baseados em epigenética e até a novas terapias personalizadas, que visem diretamente a SETDB1 ou vias associadas. Já existe, inclusive, uma patente em análise relacionada à produção de vetores lentivirais — vírus modificados em laboratório e usados como ferramentas seguras para introduzir genes em células. Essa tecnologia é fundamental tanto para o projeto atual quanto para outras aplicações da ferramenta CRISPR.
Com isso, a pesquisa alia ciência de ponta, inovação tecnológica e potencial translacional, aproximando-se de soluções que podem impactar diretamente a prática clínica.
*Com informações da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal