
Estudo preliminar aponta que 97,5% das infecções detectadas são por subtipos ligados ao desenvolvimento de câncer, índice muito acima da média da população em geral
Dados preliminares de uma pesquisa realizada com pessoas transgênero atendidas em centros de referência no Rio de Janeiro e em São Paulo revelaram uma alta prevalência de HPV de alto risco para o desenvolvimento de câncer. O levantamento, conduzido pela farmacêutica MSD em parceria com o Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (Fiocruz) e com o Centro de Referência e Treinamento-DST/AIDS de São Paulo, reforça a necessidade de ampliar ações de prevenção, como vacinação e testagem específica para essa população.
Até o momento, foram analisadas amostras de 150 participantes, metade do total previsto de 300. Os dados mostram que 53,3% das pessoas avaliadas têm algum subtipo do vírus, número semelhante à média nacional. O que chama a atenção, porém, é que 97,5% dessas infecções são por subtipos de alto risco, índice muito acima do registrado na população em geral, que varia entre 39,8% e 53,1%.
Segundo o gerente médico da MSD Brasil e um dos autores do estudo, Estevan Baldon, a marginalização dessa população e a maior exposição a situações de risco, como o trabalho sexual, contribuem para a vulnerabilidade. “Muitas dessas pessoas procuram os centros para tratar ou testar HIV, e tanto o HIV quanto o HPV são cofatores de infecção um do outro”, explica.
A maioria das infecções foi identificada na região anal, mas também houve registros de HPV genital, oral e cervical. O vírus, geralmente associado ao câncer de colo do útero, pode causar lesões nessas áreas e evoluir para tumores. “Muitos profissionais de saúde fora desses centros não entendem a necessidade de acompanhamento de pessoas trans para HPV. Mulheres trans que fazem sexo anal, por exemplo, têm risco. Homens trans que ainda têm útero também estão expostos”, alertou Baldon.
Necessidade de rastreamento específico
Os pesquisadores defendem a criação de um protocolo nacional para rastreamento do HPV anal em populações de maior risco. “Hoje só temos rastreio para câncer de colo do útero, mas o exame poderia ser estendido a outras regiões. Se for identificado HPV de alto risco, é preciso encaminhar para anuscopia, biópsia e tratamento”, ressaltou Baldon.
Vacinação como política de prevenção
O estudo também levanta a discussão sobre a ampliação da vacinação contra o HPV no Sistema Único de Saúde (SUS). Atualmente, a imunização é oferecida gratuitamente a crianças e adolescentes de 9 a 14 anos, além de pessoas vivendo com HIV, usuários de PrEP, vítimas de violência sexual e pacientes com Papilomatose Respiratória Recorrente.
Para Baldon, os dados reforçam a necessidade de incluir pessoas trans no programa: “Se a gente mostra que a infecção é alta e de alto risco nessa população, é fundamental que o Ministério da Saúde considere essa inclusão para ampliar a proteção e reduzir desigualdades”.