Brasil responde aos EUA: Pix visa à segurança financeira e não discrimina empresas estrangeiras

Em defesa formal enviada ao governo dos Estados Unidos, Brasil rejeita alegações de práticas desleais e reafirma compromisso com regras internacionais de comércio

O governo brasileiro respondeu oficialmente, nesta segunda-feira (18), à investigação aberta pelos Estados Unidos sobre supostas práticas comerciais desleais. Em documento de 91 páginas assinado pelo ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, o Brasil rebateu as acusações do Escritório do Representante Comercial dos EUA (USTR) e negou qualquer medida discriminatória contra empresas norte-americanas, especialmente no caso do Pix, sistema de pagamentos instantâneos administrado pelo Banco Central.

A investigação, solicitada pelo governo do ex-presidente Donald Trump em julho, busca apurar políticas brasileiras que, segundo os EUA, prejudicam empresas americanas nos setores de tecnologia, pagamentos digitais, etanol, propriedade intelectual e meio ambiente.

Em relação ao Pix, o Brasil ressaltou que o sistema foi desenvolvido com foco na segurança e inclusão financeira, sem qualquer intenção de discriminar concorrentes estrangeiros. “De fato, diferentes governos estão tomando a iniciativa de fornecer a infraestrutura para pagamentos eletrônicos instantâneos, incluindo a União Europeia, a Índia e os Estados Unidos. O Federal Reserve dos Estados Unidos, em particular, introduziu recentemente o FedNow, um sistema que oferece funcionalidades semelhantes ao Pix”, afirmou o texto enviado à USTR.

Brasil contesta legitimidade da investigação

O governo brasileiro também contestou a legalidade da investigação com base na Seção 301 da Lei de Comércio dos EUA, que permite ações unilaterais contra países considerados desleais. O Brasil argumenta que essa abordagem é incompatível com as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC).

“Reiteramos que não reconhecemos a legitimidade de instrumentos unilaterais como a Seção 301, que são inconsistentes com as normas e com o sistema de solução de controvérsias da OMC”, disse o Itamaraty em nota divulgada após o envio do documento. Segundo o governo, a participação brasileira na investigação ocorre “em espírito de diálogo” e não representa qualquer reconhecimento da validade do processo.

Relações comerciais e superávit dos EUA

O Brasil também destacou que os Estados Unidos mantêm um superávit comercial histórico na relação bilateral, o que enfraquece o argumento de que o ambiente brasileiro seria hostil às empresas norte-americanas. De acordo com o documento, as políticas econômicas e regulatórias brasileiras estão alinhadas aos padrões internacionais e não representam qualquer ameaça à competitividade dos EUA.

“O Brasil empreendeu reformas legais, regulatórias e institucionais significativas nos diversos setores em análise nos últimos anos. Esta investigação ameaça minar o progresso obtido e contradiz os próprios objetivos que o USTR alega perseguir”, afirma o texto.

Respostas às demais acusações

Propriedade intelectual e pirataria – Sobre as alegações de pirataria e comércio de produtos falsificados, o governo brasileiro informou que mantém um regime robusto de proteção à propriedade intelectual, em conformidade com os acordos internacionais. A defesa destacou ações concretas de fiscalização e marcos legais compatíveis com as exigências da OMC.

Redes sociais – A resposta também rebateu críticas sobre decisões judiciais que resultaram no bloqueio de redes sociais ou na suspensão de perfis de empresas americanas no Brasil. O governo destacou que essas medidas seguem o devido processo legal e não têm caráter discriminatório, sendo aplicadas de forma universal e previstas no Estado de Direito brasileiro. O artigo 19 do Código Civil, mencionado pelos EUA, seria uma norma genérica aplicável a todas as empresas, sem distinção de origem.

Etanol e desmatamento – Em relação ao etanol, o Brasil reiterou sua adesão às regras multilaterais e lembrou que mantém tarifas de importação baixas, em linha com seus compromissos na OMC. Quanto ao desmatamento, o governo brasileiro negou que suas políticas ambientais sejam barreiras comerciais ou representem discriminação contra concorrentes estrangeiros, e destacou os esforços para preservar o meio ambiente sem comprometer a livre concorrência.

Setor aeronáutico – O Brasil informou ainda que aplica tarifa zero à importação de produtos aeronáuticos dos EUA e que empresas brasileiras do setor contribuem para a geração de empregos em solo norte-americano.

Próximos passos

A resposta brasileira será analisada pelo USTR, que agendou uma audiência pública para o dia 3 de setembro. Na ocasião, representantes de empresas, entidades e órgãos governamentais poderão apresentar seus argumentos.

O desfecho do caso ainda é incerto, já que a decisão final dependerá do governo do ex-presidente Donald Trump, que atualmente lidera a gestão da Casa Branca. Caso os Estados Unidos decidam aplicar sanções com base na investigação, o Brasil poderá contestar a medida na OMC.

A postura firme e técnica do Brasil na resposta busca evitar um possível atrito comercial com seu segundo maior parceiro econômico, ao mesmo tempo em que defende a autonomia regulatória e o respeito às normas multilaterais.