Apenas 7% das decisões judiciais sobre grilagem na Amazônia resultaram em punições

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Estudo revela falhas na produção de provas, morosidade nos julgamentos e impunidade em crimes ambientais e fundiários

Um levantamento do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) revelou que apenas 7% das decisões judiciais entre 2004 e 2020 em processos relacionados à grilagem de terras na Amazônia Legal resultaram em punições aos responsáveis. A pesquisa analisou 78 processos, selecionados a partir de dados de organizações da sociedade civil e do Ministério Público Federal (MPF).

A maior parte das ações (60%) foi registrada no Pará, seguido por Amazonas (15%) e Tocantins (8%). Os demais estados da região — Amapá, Roraima, Rondônia, Mato Grosso, Maranhão e Acre — responderam por menos de 5% cada.

No total, foram identificadas 526 decisões judiciais envolvendo 193 réus, muitos dos quais respondem por mais de um crime.

Crimes frequentes e dificuldades na condenação

Os crimes mais recorrentes nos processos foram:

  • Invasão de terra pública (25%)

  • Falsidade ideológica (15%)

  • Estelionato (12%)

  • Desmatamento de floresta pública (5%)

  • Associação criminosa (4,5%)

Além disso, foram citados 14 tipos de crimes ambientais e 22 outros crimes previstos no Código Penal e em legislações específicas.

De acordo com a pesquisadora Lorena Esteves, a maioria das absolvições — que representaram 35% das decisões — foi motivada por falta de provas, argumentos de boa-fé dos réus ou aplicação do princípio do in dubio pro reo, que favorece o acusado em caso de dúvida sobre autoria ou materialidade do crime.

“Muitas absolvições decorrem de interpretações confusas dos juízes, como em casos de estelionato em que se alegou que o réu não teve vantagem econômica, ignorando fatores como o desmatamento ou o tempo de ocupação irregular”, afirmou Esteves.

Em 6% dos casos, os réus firmaram acordos para evitar condenações, com medidas como comparecimento periódico à Justiça e pagamento de valores a instituições ou fundos públicos.

Justiça lenta e prescrição

A morosidade do Judiciário também se destacou: o tempo médio de julgamento foi de seis anos, com 48% dos processos levando mais de cinco anos para serem concluídos. Em 17% dos casos, as decisões demoraram entre 13 e 18 anos para sair.

Esse atraso resultou em 172 prescrições — 33% do total de decisões analisadas — o que significa que a Justiça perdeu o prazo legal para punir os réus.

Poucas condenações e falta de provas

Das 526 decisões analisadas, apenas 39 resultaram em condenação de 24 réus. Metade dessas condenações foi por crimes ambientais e 64% ocorreram em Unidades de Conservação.

Apesar de ser o crime mais frequente, a invasão de terra pública só levou à condenação em dois casos — ambos com base em provas materiais sólidas, como notificações oficiais do órgão fundiário alertando sobre a ocupação irregular da área.

“Quando o réu é notificado previamente que está em terra pública e mesmo assim permanece, não pode alegar desconhecimento. Isso foi decisivo nos poucos casos que resultaram em condenação”, explicou Esteves.

Segundo a pesquisadora, melhorias na produção de provas e a criação de varas e procuradorias especializadas em temas agrários podem aumentar a responsabilização dos grileiros. Ela também defende o fortalecimento dos órgãos fundiários, responsáveis por fiscalizar e notificar invasões.

Terras federais e grandes áreas

O estudo mostra que 77% dos processos envolvem terras públicas federais, como:

  • Projetos de assentamento (30%)

  • Glebas públicas (26%)

  • Unidades de Conservação (21%)

Embora 42% dos processos não informem o tamanho das áreas griladas, o Imazon estima que 18% envolvem mais de 10 mil hectares e 8% ultrapassam 50 mil hectares — o equivalente a um terço da cidade de São Paulo.