
Ata do Copom destaca cenário externo incerto, pressão da demanda e política fiscal como obstáculos à convergência da inflação à meta de 3%
Em meio ao aumento das tarifas comerciais dos Estados Unidos sobre produtos brasileiros e à persistência da inflação acima da meta, o Banco Central (BC) sinalizou que a taxa básica de juros, a Selic, deverá permanecer em patamar elevado por um período prolongado de tempo. A análise está na ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), divulgada nesta terça-feira (5).
Na reunião de 30 de agosto, o colegiado decidiu manter a Selic em 15% ao ano, maior patamar desde julho de 2006. A decisão reforça uma política monetária contracionista para tentar conter pressões inflacionárias ainda persistentes.
Atualmente, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumula alta de 5,35% em 12 meses, acima do teto da meta definida pelo Conselho Monetário Nacional, que é de 3%, com margem de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos (entre 1,5% e 4,5%).
Incertezas externas e inflação desancorada
A ata destaca que o cenário inflacionário segue “desafiador em diversas dimensões”, com ênfase nas incertezas internacionais, agravadas pelo tarifaço imposto pelo governo norte-americano, que estabeleceu tarifa de 50% para diversos itens importados do Brasil. O Copom avalia que os impactos setoriais são relevantes, mas os efeitos agregados ainda são incertos.
Segundo o documento, a medida dos EUA aumenta a percepção de risco e leva o BC a adotar uma postura de “cautela reforçada”.
Além disso, o comitê observa que as expectativas de inflação seguem desancoradas, sem sinal de convergência para o centro da meta. As projeções para o IPCA de 12 meses no primeiro trimestre de 2027 estão em 3,4%, ainda acima da meta de 3%.
“Os núcleos de inflação têm se mantido acima do valor compatível com o atingimento da meta há meses, corroborando a interpretação de uma inflação pressionada pela demanda”, registra o texto, justificando a necessidade de manter os juros elevados por mais tempo.
Pressão interna: consumo aquecido e política fiscal
Do lado doméstico, o BC reconhece que o ciclo de alta de juros iniciado em setembro de 2024 já tem provocado esfriamento da atividade econômica, especialmente no mercado de crédito. Apesar disso, o comitê aponta que a economia ainda apresenta sinais de aquecimento, principalmente no mercado de trabalho, com níveis historicamente baixos de desemprego e crescimento real da renda acima da produtividade.
A ata também critica a política fiscal, destacando riscos à estabilidade macroeconômica. O comitê cita o aumento de gastos públicos, o esmorecimento de reformas estruturais, e a expansão do crédito direcionado, que, juntos, podem elevar a taxa de juros neutra da economia, dificultando o controle da inflação sem penalizar ainda mais a atividade.
“O esmorecimento no esforço de reformas e disciplina fiscal (…) tem o potencial de elevar a taxa de juros neutra da economia, com impactos deletérios sobre a potência da política monetária”, aponta o documento.
Efeitos da Selic
A Selic, que era de 10,5% ao ano em setembro de 2024, vem subindo gradualmente até atingir os atuais 15%, como resposta à inflação persistente. O Copom afirma que agora o momento é de “interrupção do ciclo de alta para avaliar os efeitos acumulados do aperto monetário”.
A taxa de juros elevada encarece o crédito, desestimula o consumo e os investimentos e tende a reduzir a demanda agregada, o que ajuda a conter a inflação. No entanto, o próprio BC reconhece que esses efeitos levam de seis a nove meses para se manifestar plenamente, o que justifica a decisão de manutenção da Selic em nível elevado por mais tempo.
Enquanto isso, o governo federal ainda não se manifestou sobre os possíveis impactos do tarifaço e os próximos passos da política fiscal frente ao novo cenário econômico.