Pix sob a mira das autoridades americanas

O sistema de pagamentos instantâneos brasileiro, o Pix, criado em 2020 pelo Banco Central do Brasil, está gerando crescente atenção das autoridades estadunidenses. Desde 2022, o sistema tem sido alvo de investigações e críticas, especialmente no contexto da concorrência que ele impõe aos serviços de pagamentos digitais já consolidados, como os oferecidos por operadoras de cartões de crédito tradicionais e, mais recentemente, pelo WhatsApp Pay, da Meta.

O Escritório do Representante de Comércio dos Estados Unidos (USTR), agência federal responsável pela coordenação da política de comércio internacional dos EUA, já havia manifestado suas preocupações em 2022. Em seu relatório anual, o USTR destacou que os Estados Unidos estavam monitorando de perto os desenvolvimentos no mercado de pagamentos eletrônicos de varejo no Brasil, afirmando que era essencial que o Banco Central brasileiro proporcionasse condições equitativas para todos os participantes do mercado, especialmente considerando o papel duplo do Banco Central como regulador e operador do Pix.

Essa menção foi a primeira e única vez em que o Pix foi citado diretamente, embora documentos subsequentes continuem a abordar a situação do sistema financeiro brasileiro.

Implicações Comerciais para os EUA

Em uma ação mais contundente, o USTR anunciou, nesta quinta-feira (16), a abertura de uma investigação formal para apurar, entre outras questões comerciais brasileiras, o incentivo governamental ao uso do Pix. O principal dirigente da agência, Jamieson Greer, afirmou que a investigação foi uma solicitação direta do presidente Donald Trump, com o objetivo de investigar o que ele classifica como “práticas comerciais desleais” que prejudicam empresas americanas, trabalhadores, agricultores e inovações tecnológicas dos Estados Unidos.

Além de sua preocupação com a popularização do Pix, que compete diretamente com os serviços financeiros tradicionais dos EUA, o governo americano também está atento aos “ataques do Brasil às empresas de mídia social americanas”. A Meta, empresa controlada por Mark Zuckerberg, é um dos nomes centrais nessa disputa, especialmente em relação ao lançamento do WhatsApp Pay no Brasil.

Concorrência e Consequências para as Empresas Americanas

A popularização do Pix tem gerado um cenário de crescente concorrência, não apenas para os sistemas tradicionais de pagamento como o Visa e Mastercard, mas também para os novos players digitais, como o WhatsApp Pay. O sistema brasileiro é público, gratuito e instantâneo, o que torna a plataforma particularmente atrativa para consumidores brasileiros, além de se tornar uma alternativa de pagamento até mesmo para transações internacionais, desafiante para o dólar em algumas operações.

No último ano, o Pix movimentou cerca de R$ 26,4 trilhões, demonstrando sua rápida adoção no país. Segundo a economista Cristina Helena Mello, da PUC-SP, o Pix trouxe diversas vantagens para a economia brasileira. “O Pix é ágil, promoveu um processo de bancarização e inclusão de pessoas que não tinham acesso ao sistema bancário”, afirmou Cristina em entrevista à Agência Brasil.

No entanto, o sistema de pagamentos do Banco Central brasileiro tem sido visto com apreensão por algumas empresas americanas, especialmente após a Meta ter anunciado, em junho de 2020, o lançamento do WhatsApp Pay no Brasil. A funcionalidade permitiria que os usuários realizassem transações com cartões de crédito diretamente no aplicativo de mensagens, fazendo do WhatsApp uma plataforma de pagamentos com grande potencial no mercado brasileiro.

O Impacto no Mercado e na Relação com os EUA

Uma semana após o anúncio da Meta, o Banco Central do Brasil, juntamente com o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), suspendeu a função de pagamento do WhatsApp. A decisão foi tomada com base na avaliação de riscos para a concorrência e a necessidade de garantir o funcionamento adequado do Sistema de Pagamento Brasileiro (SPB). Para o Banco Central, o WhatsApp estava criando um sistema de transferências de dinheiro fora do sistema financeiro regulamentado, o que representava um risco para a regulação e o acompanhamento das transações monetárias no país.

Cristina Mello considera que a suspensão foi uma medida adequada. “O WhatsApp criou uma forma de transferência de dinheiro, mas não estava fazendo isso dentro do sistema financeiro legal. Isso feria as regras brasileiras de monitoramento de transações financeiras”, explicou. A situação expôs o conflito de interesses entre as autoridades brasileiras e uma gigante do setor de tecnologia dos EUA, que, como se sabe, tem forte influência no cenário político e econômico internacional.

Questões Regulatórias e o Futuro das Relações Brasil-EUA

O USTR parece preocupado não só com a implementação do Pix, mas com a ausência de um sistema de pagamentos eletrônicos similar no território americano. Essa investigação coloca o Pix no centro de uma disputa comercial mais ampla, que envolve não apenas questões regulatórias, mas também geopolíticas e econômicas.

Embora o governo brasileiro defenda que o Pix é uma inovação crucial para a inclusão financeira e a modernização do sistema de pagamentos do país, a reação dos Estados Unidos levanta questões sobre o futuro das relações comerciais entre as duas nações. O impacto da adoção do Pix nos serviços financeiros globais, em especial na hegemonia do dólar e nas grandes operadoras de pagamento, pode ser uma chave importante para entender o posicionamento dos EUA.

Até o momento, o Banco Central e o Ministério das Relações Exteriores do Brasil não se pronunciaram sobre as investigações em curso. Contudo, o monitoramento das ações do USTR e a resposta do Brasil a essas investigações serão fundamentais para determinar o rumo dessa disputa.

O Futuro do Pix e as Relações Comerciais com os EUA

O Pix, com sua rapidez e custo zero para os usuários, representa não apenas uma inovação no sistema de pagamentos brasileiro, mas também um ponto de tensão nas relações comerciais entre Brasil e Estados Unidos. Com o sistema ganhando força no Brasil e até mesmo desafiando o status quo do dólar em transações internacionais, a investigação do USTR é uma reação natural às mudanças que o Pix trouxe para o cenário global. No entanto, ainda resta saber como essa disputa será resolvida e qual o impacto disso no futuro das relações comerciais e tecnológicas entre as duas potências.