
Declaração final da cúpula no Rio cobra cessar-fogo, retirada de Israel dos territórios ocupados e rejeita deslocamento forçado de palestinos
A 17ª Cúpula do Brics, encerrada neste domingo (6) no Rio de Janeiro, reiterou seu apoio à solução de dois Estados para o conflito entre Israel e Palestina, proposta historicamente rejeitada pelo governo israelense. No documento oficial, os países membros defenderam a criação de um Estado palestino soberano, independente e viável, com base nas fronteiras de 1967 — anteriores à ocupação israelense da Faixa de Gaza, da Cisjordânia e de Jerusalém Oriental.
“Reafirmamos nosso apoio à adesão plena do Estado da Palestina às Nações Unidas no contexto do compromisso inabalável com a Solução de Dois Estados”, afirmou o comunicado. A posição do Brics contrasta com a visão do Irã, um dos membros mais recentes do bloco, cujo chanceler classificou a solução de dois Estados como “irreal”.
Segundo o ministro iraniano Seyed Abbas Araghchi, a alternativa justa seria a criação de um único Estado, democrático e secular, com a participação igualitária de muçulmanos, cristãos e judeus, a exemplo do processo de transição que pôs fim ao apartheid na África do Sul. “O regime do apartheid na África do Sul foi derrubado pela luta dos negros, ninguém recomendou a ideia de dois Estados”, argumentou.
Na declaração final, o Brics também condenou as ações militares de Israel em Gaza e a obstrução da ajuda humanitária, apontando o uso da fome como arma de guerra. O bloco exige um cessar-fogo imediato, permanente e incondicional, além da retirada completa das forças israelenses dos territórios ocupados e da libertação de reféns detidos em violação ao direito internacional.
“Exortamos as partes a se engajarem, de boa-fé, em novas negociações […] à libertação de todos os reféns e detidos em violação ao direito internacional; e ao acesso e entrega sustentados e desimpedidos da ajuda humanitária”, pontua o documento.
O grupo também rejeitou, com firmeza, propostas de deslocamento forçado da população palestina, como as defendidas por Israel e pelos Estados Unidos. O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu chegou aos EUA neste domingo para reuniões com o ex-presidente Donald Trump, que sugeriu a emigração em massa dos palestinos e até mesmo a administração direta de Gaza pelos norte-americanos.
“Expressamos nossa firme oposição ao deslocamento forçado, temporário ou permanente, sob qualquer pretexto, de qualquer parte da população palestina […] bem como a quaisquer alterações geográficas ou demográficas do território da Faixa de Gaza”, enfatizou o Brics.
Enquanto o conflito em Gaza se intensifica, a Cisjordânia e Jerusalém Oriental também enfrentam uma escalada da violência e dos deslocamentos forçados. Estima-se que cerca de 40 mil palestinos tenham sido expulsos dessas regiões nos últimos meses, no que já é considerada a maior operação militar israelense na Cisjordânia em duas décadas.
Para o Brics, a Faixa de Gaza é parte inseparável do território palestino e deve ser unificada à Cisjordânia sob a administração da Autoridade Palestina. “Salientamos, a este respeito, a importância de unificar a Cisjordânia e a Faixa de Gaza sob a Autoridade Palestina”, disse a declaração final.
Contexto histórico
A atual crise tem raízes profundas. Em 1947, a ONU propôs a divisão da Palestina histórica em dois Estados, um judeu e outro árabe. A proposta foi rejeitada pelos países árabes, e em 1948 Israel declarou independência, dando início à primeira guerra árabe-israelense. Cerca de 750 mil palestinos foram forçados a deixar suas casas — episódio conhecido como Nakba (“catástrofe”).
Em 1967, após a Guerra dos Seis Dias, Israel ocupou Gaza e a Cisjordânia, territórios então controlados por Egito e Jordânia. Em 2005, desocupou fisicamente Gaza, mas manteve bloqueios aéreos, terrestres e marítimos. O enclave passou a ser governado pelo Hamas.
O atual ciclo de violência começou em outubro de 2023, após um ataque do Hamas que deixou 1,2 mil mortos e cerca de 220 reféns em Israel. A resposta israelense já provocou dezenas de milhares de mortes e uma devastação sem precedentes em Gaza. Diversos países e organizações internacionais têm classificado a ofensiva como genocídio.