Da natureza para o sustento: a força das sementes no coração do Xingu

© Liliane Farias/Agência Brasil

Em Nova Xavantina (MT), a ex-doméstica Vera Oliveira transforma a coleta de sementes em fonte de renda, sustentabilidade e conexão com a terra. Sua história se entrelaça com a Rede de Sementes do Xingu, que já forneceu 30 toneladas para restauração florestal.


Vera Oliveira, 55 anos, carrega no olhar o amor pelas plantas herdado da infância na fazenda. Moradora de Nova Xavantina, em Mato Grosso, a ex-doméstica encontrou na natureza não apenas um refúgio, mas também uma profissão. Há quase dez anos, ela se dedica à coleta de frutos e sementes nativas, atividade que se tornou sua principal fonte de renda e símbolo de resistência ambiental.

“Eu me criei na fazenda. Quando a gente era pequenininho, papai sempre ensinava o nome das árvores. Então já tinha esse conhecimento da natureza”, conta Vera, que percorre áreas urbanas, rurais e beiras de estrada nos arredores de Nova Xavantina, Pindaíba, Água Boa e Campinápolis.

Ela é uma das 700 coletoras da Rede de Sementes do Xingu (RSX), iniciativa que surgiu em 2004, coordenada pelo Instituto Socioambiental (ISA), para restaurar as margens degradadas do rio Xingu. O rio, que nasce entre as serras do Roncador e Formosa e percorre Cerrado e Amazônia até desaguar no Pará, viu sua saúde ameaçada por décadas de degradação ambiental.

A resposta encontrada foi ousada e eficiente: restaurar o território a partir da técnica da “muvuca de sementes”, que mistura espécies nativas e temporárias, simulando o ciclo natural da regeneração. “Esse plantio imita muito o processo natural. As espécies crescem quando o ambiente está propício”, explica a engenheira florestal Aline Ferragutti, do projeto Redário, que articula 27 redes de sementes no país.

Diferente do plantio com mudas, a muvuca permite que cada espécie encontre seu momento ideal de germinação. As sazonais, como feijão-de-porco e girassol, nascem rápido, enriquecem o solo e abrem espaço para as nativas, que se estabelecerão a longo prazo.

Em 2024, com a ajuda do Redário, as redes comercializaram 18,5 toneladas de sementes. A própria RSX vendeu de forma independente 30 toneladas, fornecendo material para empresas como a Energisa, que restaurou 700 hectares com apoio do programa Floresta Viva, do BNDES.

“O modelo é eficaz e barato, além de gerar impacto positivo para quem vive nos territórios”, afirma Michelle Almeida, da área de Sustentabilidade da Energisa.

Esse impacto é visível na vida de Vera. Com o dinheiro da coleta, ela comprou bicicleta, moto, carro e reformou a casa. “Quando parei de trabalhar como doméstica, minha filha achou que a gente ia passar fome. Hoje ela acredita que não vai mais faltar”, celebra.

Para muitas comunidades indígenas, quilombolas e famílias rurais, a coleta de sementes representa mais do que sustento. Gera autonomia, laços de afeto e autoestima. “Elas desenvolvem liderança, viajam, aprendem coisas novas. Tem até uma dimensão espiritual nesse trabalho, especialmente para os povos indígenas”, destaca Lia Domingues, da coordenação da RSX.

Seja nas mãos de Vera ou nos campos do Xingu, as sementes carregam mais do que vida: carregam esperança, justiça e futuro.