Corrupção sistêmica e exaltação do “Bandido”

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País normalizou o caos e segue idolatrando seus algozes enquanto enterra suas vítimas

 

 

Por Carlos Arouck

O Brasil está afundado em uma crise de criminalidade que não apenas mancha suas ruas com sangue, mas corrói suas instituições e envenena sua cultura. A percepção de que ser “bandido” é uma “profissão em alta” reflete um país onde a violência, a corrupção e a busca desenfreada por vantagens ilícitas tornaram-se pilares de uma sociedade em colapso moral. Com 45.747 homicídios em 2023, o Brasil ostenta uma das maiores taxas de violência do planeta, mesmo após uma redução notável durante o governo Bolsonaro (2019–2022). O crime organizado, liderado por facções como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), domina a vida de 23 milhões de brasileiros, enquanto instituições degradadas e uma cultura que glorifica o crime aprofundam o abismo.

As instituições brasileiras Executivo, Judiciário e Legislativo não apenas falham em combater a criminalidade, mas, em muitos casos, indiretamente alimentam essa situação. No Executivo, escândalos como a Operação Lava Jato expuseram um esquema de corrupção que desviou bilhões, deixando a segurança pública à míngua. Políticas reativas, como os Gabinetes de Gestão Integrada, são paliativos frente ao domínio do PCC, que controla territórios onde o Estado é uma sombra. Durante o governo Bolsonaro, a flexibilização do porte de armas ajudou na redução de homicídios, iniciada em 2018, sugere que outros fatores, como pactos entre facções, tiveram mais peso. O governo Lula, em um cenário de impostos abusivos e instabilidade econômica, contribui com mais um escândalo de corrupção no caso do INSS, enquanto a violência aumenta.

Nas redes sociais, crescem as críticas ao Supremo Tribunal Federal (STF), acusado de práticas como censura e decisões polêmicas. Cada vez mais parece se tornar símbolo de uma justiça elitista, desconectada da realidade das ruas. Essa seletividade alimenta a percepção de que o sistema protege os poderosos e abandona os vulneráveis. Com 89% dos brasileiros convictos de que facções controlam os presídios, a Lei 12.850/2013, que define organização criminosa, exerce um papel inócuo. Some-se a isso questionamento da população sobre o fato de criminosos de colarinho branco e líderes de facções receberem penas leves, enquanto cidadãos comuns enfrentam o rigor por infrações supostamente menores.

O Legislativo, por sua vez, é um antro de interesses escusos. Escândalos como o Mensalão e a compra de apoio político colocaram o Brasil na humilhante 94ª posição no Índice de Percepção da Corrupção em 2023. Leis aprovadas sob pressão, como o endurecimento de penas, são cortinas de fumaça que não tocam nas raízes da criminalidade desigualdade, ausência estatal e conivência institucional. Parlamentares, muitas vezes reféns de lobistas, perpetuam um ciclo de corrupção que torna o combate ao crime uma farsa.

O crime organizado não é apenas uma ameaça é um sistema paralelo que governa milhões de vidas. Facções como o PCC e o Comando Vermelho controlam o tráfico de drogas, que já levou 173 mil pessoas à prisão, além de serviços como transporte e segurança em periferias. Em regiões onde vivem 23 milhões de brasileiros, o Estado é ficção: os criminosos atuam como juízes, provedores e carrascos.

Essa hegemonia é sustentada por um sistema prisional em colapso, com mais de 800 mil detentos amontoados em celas superlotadas, onde as facções recrutam e prosperam. A taxa de reincidência estimada em 70% desde 2001 revela que o sistema não reabilita: fabrica criminosos.

No contexto atual, o projeto de lei sobre segurança pública proposto pelo Ministério da Justiça representa um verdadeiro afronte aos brasileiros honestos que vivem sob o cerco do medo. Em vez de atacar o núcleo do problema – como o desmantelamento das facções, a corrupção generalizada e o colapso prisional – o projeto aposta em medidas burocráticas e simbólicas, que não tocam nos privilégios dos criminosos nem protegem o cidadão comum. Ao priorizar pautas ideológicas, como restrições à atuação policial e mecanismos que dificultam a punição de reincidentes, o governo sinaliza que está mais preocupado em agradar grupos políticos do que em garantir segurança real. Enquanto isso, o crime organizado segue governando territórios inteiros, e o brasileiro de bem continua refém de um Estado que prefere legislar para os marginais do que para os que cumprem a lei.

A cultura brasileira, em parte, transformou o bandido em ídolo. Gêneros como o funk proibidão e o rap celebram a riqueza e o poder dos criminosos. Redes sociais exibem bandidos ostentando carros de luxo e armas como troféus. Em periferias assoladas pela desigualdade, o crime não é só sobrevivência é status. Jovens, sem acesso a educação ou empregos, veem no tráfico uma escada para o topo.

A “lei de Gérson” de levar vantagem a qualquer custo tornou-se dogma nacional. De sonegação fiscal a propinas milionárias, a busca por atalhos foi normalizada, corroendo qualquer noção de ética. A romantização do criminoso não é novidade. De Lampião aos chefes de facções, o Brasil sempre mitificou o bandido como rebelde contra um sistema injusto.

Filmes como Cidade de Deus e séries como Dom, embora critiquem a violência, alimentam a imagem do criminoso carismático. Postagens nas redes sociais descrevem um Brasil de “criminalidade, corrupção e facções”, com 50 mil homicídios por ano como prova de um país à deriva. A mídia, ao reforçar essa narrativa, amplifica o desespero e a apatia.

A desigualdade é o combustível. Milhões vivem em condições subumanas. O crime organizado oferece proteção e propósito onde o Estado fracassa. A violência custa 3,4% do PIB da América Latina – uma fatura que o Brasil paga pela sua omissão.

Apesar do caos, os homicídios caíram durante o governo Bolsonaro (2019–2022), um fato que não pode ser ignorado, mas também não deve ser superestimado. Em 2018, o Brasil registrou 51.589 homicídios (taxa de 25,2 por 100 mil). Em 2019, já sob Bolsonaro, o número caiu para 41.286 (taxa de 20,89). A tendência seguiu: 43.892 em 2020, 41.069 em 2021 (queda de 7%, menor número em 14 anos) e 40.748 em 2022 (taxa de 20,1–21,1, a menor desde 1992). Em 2023, no governo Lula, os homicídios subiram para 45.747 (taxa de 21,2), mas a estimativa para 2024 aponta 35.000 (taxa de 16,65).

A redução sob Bolsonaro, embora significativa, não é um conto de heroísmo. A queda começou em 2018, sob Temer, impulsionada por pactos entre facções e avanços na inteligência policial. A narrativa de que a flexibilização de armas salvou vidas é um viés a ser considerado. Especialistas apontam que fatores externos, como a trégua entre PCC e CV em algumas regiões, foram decisivos. A violência contra mulheres – 2.662 negras assassinadas em 2023, 68,2% dos homicídios femininos – mostra que a crise está longe de resolvida.

 

 

A queda nos homicídios é uma vitória frágil. Ela não esconde o avanço do crime organizado nem a degradação institucional. A glorificação do bandido é uma farsa: líderes de facções acumulam fortunas, enquanto seus soldados morrem jovens ou apodrecem nas cadeias. A “lei de Gérson” não é piada é filosofia nacional. Há resistência: a maioria dos brasileiros, comunidades e organizações lutam por ética e justiça. Mas são vozes abafadas em meio a um coro de cinismo e medo.

O Brasil é um país sequestrado por sua própria degradação. A redução dos homicídios sob Bolsonaro foi um alívio temporário. O crime organizado, a corrupção sistêmica e a cultura da glorificação do bandido mostram que o problema é estrutural.