
Ministra do Meio Ambiente sofre ofensas de senadores durante audiência; especialistas apontam misoginia e resistência à regulação ambiental como pano de fundo
A audiência da Comissão de Serviços e Infraestrutura do Senado, realizada nesta terça-feira (28), expôs a naturalização da violência política de gênero no Brasil e a resistência de parte do Legislativo à agenda ambiental defendida pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. O episódio, marcado por agressões verbais e tentativas de silenciamento, gerou forte reação de especialistas e membros do governo.
Durante o debate, os senadores Plínio Valério (PSDB-AM) e Marcos Rogério (PL-RO) proferiram falas consideradas ofensivas à ministra. Plínio afirmou que “não respeita Marina como ministra”, enquanto Rogério disse que ela deveria “se colocar no seu lugar”. Marina deixou a sessão após os ataques.
Para a professora Flávia Biroli, cientista política da Universidade de Brasília (UnB), o episódio é parte de um padrão recorrente de violência contra defensores do meio ambiente no país, especialmente quando se trata de mulheres. “Tentar silenciar e constranger são ações típicas da violência política de gênero. O fato de ela ser uma mulher negra de destaque incomoda ainda mais a esses homens, para quem ela está ‘fora do lugar’”, avaliou.
A pesquisadora Michelle Fernandez, também da UnB, destacou que as agressões ultrapassam o campo das divergências políticas. “Existe uma leitura na sociedade de que aquele não é um espaço para mulheres. Esse ‘coloque-se no seu lugar’ tem um claro componente de gênero”, disse. Ela ainda criticou a ausência de defesa mais incisiva à ministra durante a audiência: “Notas de repúdio vieram depois, mas naquele momento, ela foi deixada sozinha”.
O ataque mais contundente veio do senador Plínio Valério, que, além de dizer que não respeita a ministra, já havia afirmado, em outra ocasião, que era difícil ouvi-la “sem querer enforcá-la”. A única voz a se levantar em sua defesa durante a audiência foi a da senadora Eliziane Gama (PSD-MA). “Qual o problema de ela falar? Eu não vou permitir que se transgrida esse direito de fala da ministra”, protestou.
Contexto político e ambiental
A tensão no Senado ocorre uma semana após a Casa aprovar projeto que flexibiliza o licenciamento ambiental, considerado por ambientalistas o maior retrocesso das últimas quatro décadas. O Ministério do Meio Ambiente criticou duramente a proposta, o que acirrou os ânimos entre parlamentares e a equipe de Marina.
A discussão também se dá em meio ao impasse sobre a exploração de petróleo na margem equatorial, defendida pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), e por setores da oposição, contrários à postura cautelosa do MMA diante dos riscos ambientais.
A professora de história Teresa de Novaes Marques, da UnB, chamou atenção para a forma como o debate foi conduzido. “Negar o direito de expressão é negar o direito de existir. Ao se dirigir à ministra como se dirigiram, esses parlamentares enviam um recado de hostilidade não apenas a ela, mas a todos os defensores dos povos tradicionais e da Amazônia”, afirmou.
Repercussão e solidariedade tardia
O presidente Lula telefonou à ministra após o episódio e manifestou apoio à sua decisão de deixar a audiência. Nas redes sociais, o líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), e o líder do PT, Rogério Carvalho (PT-SE), também repudiaram os ataques. No entanto, especialistas apontam que a reação institucional foi tardia e reflete a banalização da violência política de gênero, mesmo nos espaços mais altos da República.
Marina Silva, que tem trajetória reconhecida nacional e internacionalmente na defesa do meio ambiente, foi senadora, deputada federal e candidata à presidência da República por três vezes. Ainda assim, sua presença em espaços de poder continua sendo alvo de tentativas de deslegitimação — agora escancaradas em uma comissão parlamentar.