Estudo revela predisposição cardíaca em tamanduás-bandeiras resgatados

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Pesquisadores da UFMT e UFRRJ identificam problemas cardíacos em animais silvestres mantidos em cativeiro por alimentação inadequada; espécie é considerada vulnerável à extinção no Brasil


Antes amplamente distribuído por grande parte da América do Sul, o tamanduá-bandeira está hoje entre as espécies classificadas como vulneráveis à extinção no Brasil. Um estudo inédito realizado por pesquisadores da Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), em parceria com a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), acende um novo alerta: animais da espécie resgatados e mantidos em cativeiro apresentam maior risco de desenvolver doenças cardíacas.

Publicado no periódico Journal of Zoo and Wildlife Medicine, o estudo identificou casos de insuficiência cardíaca em tamanduás-bandeiras mantidos fora de seu habitat natural. A principal causa apontada pelos pesquisadores é a alimentação inadequada, já que sua dieta natural — baseada em formigas, cupins e outros insetos — é difícil de ser reproduzida em centros de triagem e zoológicos.

“O problema é que, em cativeiro, não se consegue oferecer a dieta original desses animais, o que afeta sua saúde metabólica e cardíaca”, explica o professor Pedro Eduardo Brandini Néspoli, do Hospital Veterinário da UFMT e coordenador da pesquisa.

Do campo ao laboratório: 6 anos de observações

Entre 2017 e 2022, a equipe analisou dados clínicos e exames de ecocardiografia de tamanduás de vida livre e cativos. O levantamento constatou que animais resgatados apresentavam aumento nas cavidades cardíacas e redução da contratilidade do coração — o que, segundo os cientistas, pode levar à morte se não tratado corretamente.

Como não havia parâmetros específicos na literatura científica sobre o sistema cardiovascular do tamanduá-bandeira, os pesquisadores precisaram estabelecer uma base de dados inédita, correlacionando peso corporal com o tamanho esperado do coração.

“Esses parâmetros vão permitir diagnósticos mais seguros e eficientes. Com isso, será possível tratar precocemente os animais doentes e aumentar as chances de recuperação e reprodução, tanto em cativeiro quanto em vida livre”, afirma o professor Sávio Amado da Silva, da UFRRJ.

Espécie vulnerável e sensível ao clima

A situação da espécie é crítica. De acordo com a plataforma Salve, do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o tamanduá-bandeira está oficialmente categorizado como “vulnerável” desde 2022. No Brasil, sua presença se concentra na Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica e Pantanal, mas o desmatamento, queimadas, caça e atropelamentos têm reduzido suas populações drasticamente.

Outro fator de risco destacado pelo professor Sávio Silva são as mudanças climáticas. “O tamanduá-bandeira é muito sensível ao calor extremo, mais do que outras espécies de mamíferos. O aquecimento dos biomas brasileiros contribui para sua fragilidade e morte precoce”, diz.

Caminhos para a preservação

Para conter o avanço da extinção, os pesquisadores defendem medidas estruturais e legais, como o cumprimento das leis de conservação, controle do desmatamento, fiscalização das queimadas, punição à caça ilegal e a reorganização de corredores ecológicos, permitindo que os tamanduás tenham maior acesso a alimento e rotas seguras de deslocamento.

Além disso, eles sugerem a criação de passagens em rodovias para reduzir atropelamentos, e o fortalecimento dos Centros de Triagem de Animais Silvestres (Cetas), garantindo atendimento especializado e alimentação mais próxima da dieta natural.

“Nosso trabalho fornece as primeiras diretrizes científicas para a saúde cardíaca do tamanduá-bandeira. Esperamos que, com isso, a ciência contribua diretamente para evitar que essa espécie desapareça das florestas brasileiras”, conclui Néspoli.