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Camp Century: a cidade subterrânea que escondeu planos militares secretos na Guerra Fria

A entrada do túnel principal pode ser vista no Camp Century, uma base de pesquisa dos EUA construída sob a superfície da camada de gelo da Groenlândia e que operou de 1960 a 1967 • Robert M. Weiss

Base dos EUA na Groenlândia serviu de laboratório científico e abrigo para um projeto ultrassecreto de mísseis

No auge da Guerra Fria, em 1962, um jovem médico americano, Robert Weiss, foi enviado para uma missão incomum: atuar como médico em uma base militar subterrânea na camada de gelo da Groenlândia. O que lhe foi apresentado como um posto avançado de pesquisa polar era, na realidade, parte de um plano militar ultrassecreto dos Estados Unidos para esconder locais de lançamento de mísseis nucleares no Ártico.

A instalação, conhecida como Camp Century, era uma “cidade sob o gelo”, alimentada por energia nuclear e composta por uma rede de túneis que abrigava dormitórios, laboratórios e um refeitório. Sua missão oficial era científica, mas documentos desclassificados nos anos 1990 revelaram que o local fazia parte do chamado Projeto Iceworm, uma tentativa de construir silos subterrâneos para mísseis intercontinentais.

A vida na base subterrânea

Weiss, que posteriormente se tornou professor de Urologia na Universidade de Yale, passou dois períodos no Camp Century entre 1962 e 1963. Ele descreveu a experiência como única, embora marcada pelo isolamento. “Podíamos passar semanas sem sair para a superfície”, lembrou.

Apesar do ambiente extremo, Weiss destacou que a vida dentro da base não era tão difícil quanto esperava. O local era aquecido, a comida era boa e havia momentos de lazer, como jogos de xadrez e bridge. Porém, a rotina monótona e o isolamento psicológico afetavam alguns militares.

O reator nuclear da base chegou a apresentar falhas nos primeiros anos, exigindo ajustes na proteção contra radiação. No entanto, Weiss afirmou que os militares foram informados de que era seguro viver próximo a ele.

O fim do projeto e os riscos ambientais

A base foi desativada em 1967 devido às dificuldades de manutenção e ao movimento da camada de gelo, que começou a esmagar os túneis subterrâneos. O Projeto Iceworm nunca se concretizou, e os planos para os silos de mísseis foram abandonados antes mesmo de serem construídos.

Contudo, os vestígios do Camp Century permanecem congelados no Ártico e podem representar um risco ambiental. Estudos recentes indicam que, com o aquecimento global, resíduos biológicos, químicos e radioativos da base podem emergir, trazendo possíveis impactos ambientais.

O legado mais duradouro do Camp Century, no entanto, está na ciência. Os núcleos de gelo extraídos da base forneceram dados inéditos sobre o clima da Terra nos últimos 100 mil anos, ajudando pesquisadores a entender as mudanças climáticas e o comportamento das geleiras ao longo da história.

“Esse núcleo de gelo ainda está vivo, trazendo informações fundamentais sobre o passado do nosso planeta”, destacou o geólogo Paul Bierman, da Universidade de Vermont.

Enquanto a cidade subterrânea desaparece sob o peso da neve e do tempo, seu impacto — tanto na história militar quanto na ciência climática — continua a ecoar.

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