
Especialistas afirmam que perdoar crimes contra a democracia pode enfraquecer o Estado de Direito
Convocada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores, uma manifestação programada para este domingo (16), no Rio de Janeiro, busca pressionar o Congresso Nacional a aprovar projetos de lei que concedam anistia aos réus processados pelos atos antidemocráticos ocorridos em Brasília, em 8 de janeiro de 2023. A iniciativa tem gerado críticas no meio jurídico, com especialistas alertando para os riscos de perdoar crimes contra a democracia.
O professor de Direito Constitucional da Universidade Federal Fluminense (UFF), Gustavo Sampaio, considera que a anistia seria um mau exemplo para o país. “Com democracia não se brinca. Se houve crimes contra a democracia, e todas as provas demonstram que esses crimes aconteceram, não é razoável conceder o perdão da anistia. Isso seria um incentivo para que novos atentados contra o Estado Democrático de Direito sejam articulados”, afirmou.
Para a professora de Direito Penal da Fundação Getulio Vargas em São Paulo (FGV), Raquel Scalcon, a proposta de anistia para crimes contra a democracia é preocupante. “Estamos falando de crimes que buscaram, ao menos em tese, implodir o próprio sistema democrático. Não se trata de qualquer delito, mas de um ataque direto às instituições do país”, ressaltou.
Riscos para a democracia
O professor Vitor Schirato, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), avalia que a concessão de anistia representaria um golpe na democracia brasileira. “É um enfraquecimento enorme das instituições democráticas. É despropositado imaginar que um parlamentar democraticamente eleito possa anistiar quem tentou destruir o próprio Estado Democrático de Direito”, disse.
Em fevereiro deste ano, a Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD) divulgou nota criticando a proposta. “A anistia aos golpistas é um desrespeito à memória de todos aqueles que lutaram pela democracia em nosso país. Não admitiremos anistia! Nosso país precisa caminhar com Memória, Verdade e Justiça”, afirmou a entidade.
O impacto da anistia nos processos em andamento
Os projetos de anistia que tramitam no Congresso foram unificados ao PL 2.858/2022, do ex-deputado major Vitor Hugo (PL-GO), que propõe o perdão aos envolvidos nos atos antidemocráticos. No Senado, o PL 5.064/2023, do senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS), e outro projeto do senador Márcio Bittar (União-AC) também propõem anistiar os réus e restaurar direitos políticos de inelegíveis.
Juristas apontam que, se aprovada, a anistia pode beneficiar não apenas os participantes dos atos de 8 de janeiro, mas também os denunciados como organizadores de uma tentativa de golpe de Estado, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Gustavo Sampaio explica que há dúvidas sobre a aplicação da anistia para aqueles que ainda não foram condenados, como Bolsonaro. “Se nem há condenação, como o Congresso pode anistiar? Essa é uma questão que certamente será analisada pelo Supremo Tribunal Federal”, afirmou.
O STF já anulou, em 2023, um indulto concedido pelo ex-presidente Bolsonaro ao ex-deputado Daniel Silveira, condenado por ameaçar o Estado Democrático de Direito. A decisão indicou que crimes contra a democracia não podem ser objeto de perdão. Caso os projetos de anistia sejam aprovados, a constitucionalidade da medida será questionada na Corte.
“A tendência é que o Supremo entenda que certos crimes não podem ser anistiados, especialmente aqueles que atentam contra o Estado Democrático de Direito”, avalia Raquel Scalcon. “O Congresso tem poder para conceder anistia, mas esse poder não é ilimitado. O Judiciário terá que definir os limites dessa medida”.
A discussão sobre a anistia deve seguir no Congresso e no STF, em um debate que pode definir os rumos da democracia brasileira.