Filha separada por hanseníase conquista direito a pensão vitalícia

© Tomaz Silva/Agência Brasil

Decisão judicial reconhece violação histórica de direitos e abre precedente para centenas de pessoas afetadas

 

 

Cláudia Leite Pinto, de 41 anos, é a primeira filha separada de pais internados em colônias para hansenianos no Rio de Janeiro a conseguir na Justiça o direito a uma pensão vitalícia. A decisão, proferida no dia 25 de fevereiro pela Segunda Câmara Recursal Fazendária do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, determina que ela receba dois salários mínimos mensais, além de parcelas atrasadas que somam R$ 34 mil.

A medida busca reparar o trauma da separação compulsória, uma prática prevista por lei até o fim da década de 1980, que afastava bebês de seus pais internados nos chamados “leprosários”. Cláudia só reencontrou a mãe, Cleusa Maria Leite, aos cinco anos de idade.

“Não tinha nem como a gente fazer visita pra ela, e ela também não podia sair pra nos visitar. Até porque seria discriminada do lado de fora por causa da doença”, relembra Cláudia, que foi criada por um tio até que a entrada de crianças na colônia fosse autorizada.

Apesar da aprovação da lei estadual que garante o benefício, em 2022, o governo do Rio de Janeiro ainda não regulamentou o pagamento e tem alegado inconstitucionalidade. No entanto, a juíza Luciana Santos Teixeira considerou que não há impedimentos legais para a concessão da pensão e reconheceu que Cláudia foi vítima da política de segregação sanitária imposta a pessoas com hanseníase.

“Vai me ajudar a comprar a minha casinha, porque eu ainda vivo de aluguel, e minha renda vem do Bolsa Família e de alguns biscates que eu faço”, comemora Cláudia.

História de exclusão e abandono

A hanseníase, doença infecciosa que pode causar lesões na pele e danos aos nervos, foi por muitos anos cercada de estigma. No Brasil, a política de isolamento compulsório começou na década de 1920 e vigorou por décadas. Todas as pessoas diagnosticadas eram internadas em colônias, impedidas de manter contato com seus familiares. Mesmo após a flexibilização da norma em 1962, os pacientes continuaram isolados por falta de condições básicas para reassentamento.

Esse foi o caso da mãe de Cláudia, Cleusa Maria Leite, internada à força no Hospital Colônia Tavares de Macedo, em Itaboraí, em 1982. “Me transferiram para cá, não me explicaram nada, só me trouxeram de ambulância. Quando eu cheguei, que vi o que era, já era tarde”, conta Cleusa, hoje com 70 anos.

Na colônia, Cleusa conheceu o marido e teve suas duas filhas. “Era muito triste. Eu queria vê-las, ficar com elas, e não podia nem pegar no colo”, relembra. O único contato que tinha com o mundo exterior era um padre, que lhe dava notícias das meninas. O pai delas morreu antes de poder conhecê-las, atropelado dentro da colônia.

A irmã mais nova de Cláudia, Cleide Leite Pinto, também entrou na Justiça para solicitar a pensão. “Sempre perguntava pela minha mãe, pelo meu pai, mas ninguém explicava por que não estavam perto”, diz Cleide, que só pôde reencontrar a mãe aos quatro anos.

Precedente para outras vítimas

O advogado Carlos Nicodemos, que representa as irmãs e outras vítimas, estima que entre 600 e 800 pessoas foram separadas de seus pais nas colônias do estado. “É uma reparação histórica para aqueles que sofreram a maior alienação parental do mundo”, afirmou durante o julgamento.

Desde 2007, o governo federal concede pensão vitalícia a ex-internos das colônias, mas os filhos separados ainda lutam pelo reconhecimento de seus direitos. Cláudia e Cleide esperam que sua vitória na Justiça impulsione outros processos e garanta justiça para aqueles que foram privados do convívio familiar por uma política sanitária excludente.