
Pesquisadores destacam que cerca de 50 mil casos anuais poderiam ser prevenidos com diagnósticos e tratamentos acessíveis
Embora apenas 10% dos casos de câncer tenham origem em alterações genéticas, essas ocorrências representam quase 50 mil diagnósticos por ano no Brasil. Muitos deles podem ser prevenidos ou tratados precocemente por meio de intervenções da oncogenética, área médica voltada ao estudo da predisposição genética para o câncer. No entanto, especialistas reunidos nesta quinta-feira (28) no Instituto Nacional do Câncer (Inca) alertaram que essas tecnologias ainda não estão amplamente disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS).
Impacto e lacunas no SUS
Miguel Moreira, pesquisador do Grupo de Câncer Hereditário do Inca, ressaltou que pessoas com mutações genéticas patogênicas têm um risco muito maior de desenvolver câncer, frequentemente em idades mais precoces e, em alguns casos, com múltiplos tumores primários. “A identificação dessas mutações permite estratégias de prevenção primária, evitando o tumor, ou secundária, descobrindo-o em estágio inicial e aumentando as chances de cura,” explicou.
Atualmente, procedimentos como testes genéticos e tratamentos específicos estão disponíveis nos planos de saúde privados, mas raramente no SUS. Para Moreira, essa disparidade prejudica a equidade no atendimento.
Cânceres hereditários: prevenção possível
Patrícia Ashton-Prolla, diretora da Rede Brasileira de Câncer Hereditário (Rebrach), destacou que, em alguns tipos de câncer, como o de ovário e o retinoblastoma, a proporção de casos hereditários é significativamente maior, chegando a 25% e 40%, respectivamente. “Praticamente todos os tipos de câncer hereditários poderiam ser prevenidos com diagnóstico genético prévio,” afirmou, destacando também a importância de ações preventivas para familiares de pacientes com mutações.
Apesar de avanços, como a inclusão recente do medicamento olaparibe no protocolo do SUS para câncer de ovário e endométrio com origem genética, a diretora aponta que a testagem genética disponibilizada é limitada a apenas dois genes. “Isso deixa de fora um espectro mais amplo de pacientes e familiares que poderiam se beneficiar,” criticou.
Demandas por políticas públicas abrangentes
Os especialistas também enfatizaram a necessidade de revisitar a Política Nacional de Prevenção e Controle do Câncer para incluir tecnologias de oncogenética de forma mais abrangente. “Atualmente, pessoas de alto risco não têm acesso ao cuidado necessário, e isso precisa mudar,” reforçou Patrícia.
O Ministério da Saúde foi procurado para comentar as críticas e detalhar planos de ampliação da oncogenética no SUS, mas não respondeu até o fechamento desta reportagem.
Enquanto isso, o alerta segue: sem intervenções públicas eficazes, muitos casos que poderiam ser prevenidos ou diagnosticados precocemente continuarão a representar desafios para o sistema de saúde brasileiro.