
Uma inversão alarmante foi identificada no Brasil no que diz respeito ao comportamento das mulheres em relação ao tabagismo, segundo um estudo conduzido pelo epidemiologista André Szklo, do Instituto Nacional de Câncer (Inca), em colaboração com a Escola de Saúde Pública da Johns Hopkins Bloomberg. De 2013 a 2019, a proporção de gestantes fumantes no Brasil aumentou de 4,7% para 8,5%, enquanto a taxa de mulheres não grávidas que fumam caiu de 9,6% para 8,4%.
Esses dados são discutidos no artigo Proporção de fumantes entre gestantes no Brasil em 2013 e 2019: não era o que esperávamos quando elas estavam esperando, publicado na revista Nicotine & Tobacco Research. O estudo revela que mulheres com menos de 25 anos e com escolaridade inferior ao ensino fundamental completo apresentaram, em 2019, uma proporção de fumantes grávidas maior do que a observada entre as não grávidas.
“O Brasil precisa retomar ações efetivas para reduzir a iniciação ao uso do tabaco e estimular a cessação do tabagismo”, alerta Szklo, enfatizando a importância de medidas como o aumento de preços e impostos sobre produtos derivados do tabaco.
Outro dado preocupante do estudo é que, em 2019, as gestantes usavam ou já haviam experimentado dispositivos eletrônicos para fumar (vapes) numa proporção 50% superior à das não grávidas. Szklo destaca que isso reflete o marketing da indústria do tabaco, que promove a ideia enganosa de que esses dispositivos são menos prejudiciais à saúde.
Além disso, cerca de dois terços das gestantes fumantes viviam em lares onde o fumo era permitido, e o uso de dispositivos eletrônicos nesses ambientes superava em 70% a proporção observada em casas livres de fumo. “Isso mostra como esses dispositivos contribuem para a aceitação social do tabagismo, perpetuando a dependência à nicotina durante a gravidez”, ressalta Szklo.
O estudo, lançado pelo Inca nesta quinta-feira (29), data em que se celebra o Dia Nacional de Combate ao Tabagismo, traz à tona a necessidade de um monitoramento rigoroso do uso de tabaco durante a gravidez para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, especialmente no que diz respeito à saúde e bem-estar das futuras gerações.
“Fumar durante a gestação representa ameaças múltiplas à saúde: prejudica a mãe, o feto, e cria um ambiente de maior aceitação social do tabaco, expondo as crianças ao fumo passivo e aumentando a probabilidade de iniciação ao tabagismo”, alerta Szklo.
O diretor do Inca, Roberto Gil, reforçou a gravidade da questão, afirmando que “qualquer produto que mata um em cada dois usuários não tem razão de existir. É um veneno”. Ele lembrou que o tabaco é responsável por 8 milhões de mortes anuais no mundo, incluindo 1,3 milhão de mortes por fumo passivo.
Patrícia Barreto, pneumologista do Instituto Nacional Fernandes Figueira, também destacou os impactos devastadores do tabagismo passivo na infância. “Mais de 160 mil crianças no mundo sofrem ou morrem em decorrência direta ou indireta do tabagismo passivo. O tabagismo é a doença prevenível que mais mata no mundo”, enfatizou. Embora o Brasil tenha visto uma queda histórica no número de fumantes de 1983 a 2019, a população feminina e jovem continua a apresentar percentuais preocupantes, com o tabagismo crescendo entre os jovens, independentemente de classe social ou escolaridade.