Jill compartilha sua experiência com o transtorno alimentar relacionado ao sono, uma condição pouco compreendida e cheia de desafios
Jill estava na escola quando começou a comer durante o sono. Levando comida para a cama noite após noite, ela não tinha ideia do que estava fazendo até a manhã seguinte.
“Eu acordava com recipientes ou embalagens de uma caixa inteira de biscoitos ou bolachas na minha cama ou ao lado dela,” diz Jill, hoje com 62 anos. “Muitas pessoas pensam que essa condição é apenas ‘levantar e comer um lanche e depois voltar para a cama’. Bem, não é isso. Isso é algo completamente diferente,” esclarece Jill sobre seus comportamentos noturnos inconscientes.
“Eu não levanto uma vez só para dar uma mordida aqui e ali. Eu posso comer um pacote inteiro de biscoitos, depois levantar de novo e tomar quatro tigelas de cereal, depois levantar de novo e comer uma caixa inteira de bolachas. E sempre é esse tipo de comida, nunca algo como ‘vou comer uma maçã’.”
Essas noites de má nutrição e sono disfuncional cobraram seu preço. “Eu nem consigo te dizer o quão doente você se sente,” continua Jill. “Você se levantou inúmeras vezes durante a noite, então não está descansada, e consumiu enormes quantidades de comida que não é nutritiva. Então você acorda e boom, tem que funcionar pelo resto do dia. E foi o que fiz por anos e anos.”
Jill vive com o transtorno alimentar relacionado ao sono, uma parassonia – comportamento anormal ou incomum durante o sono, semelhante ao sonambulismo. “De todas as parassonias, o transtorno alimentar relacionado ao sono tem o pior impacto na vida das pessoas,” explica o Dr. Carlos Schenck, professor e psiquiatra sênior no Centro Médico do Condado de Hennepin da Universidade de Minnesota. “Essas pessoas têm episódios de comer sem controle quase todas as noites. Elas ganham peso, se sentem miseráveis de manhã. Isso afeta toda a vida delas e é simplesmente horrível.”
Apesar de parecer que as pessoas estão agindo em seus sonhos, parassonias ocorrem mais frequentemente durante o estágio mais profundo do sono, chamado sono delta. “Algo dispara um alarme no sistema nervoso central e seu corpo é ativado enquanto sua cognição está profundamente adormecida,” explica Schenck.
Distúrbio do Sono: Alimentação sem Controle ou Restrição
No estado misto de sono e vigília, o cérebro busca alimentos que satisfaçam a necessidade do corpo por gratificação. “Você não tem controle, não tem restrição,” fala Schenck. “As pessoas podem consumir alimentos aos quais são alérgicas e depois ter uma reação alérgica. É raro, mas acontece.” Além disso, o consumo de alimentos ultraprocessados durante a noite pode agravar condições como diabetes ou hipertensão.
Tratar o transtorno alimentar relacionado ao sono é desafiador, com uma taxa de sucesso de apenas 2/3. “Você pode ter alguém que é sonâmbulo há muitos anos, mas uma vez que começam a comer durante a noite, logo, comer se torna o único comportamento de sonambulismo,” diz Schenck.
“Os Médicos não Entendiam”
Casada aos vinte e poucos anos, Jill continuou a comer na cama ao lado do marido. Felizmente, ele tinha o sono pesado. “Ele acordava de manhã com a cama cheia de migalhas e embalagens e dizia: ‘O que há de errado com você?’ Ele achava que eu estava louca,” conta Jill. “Ele não entendia. E eu não entendia porque não estava fazendo isso de propósito.”
Envergonhada pelo seu comportamento, Jill manteve seus hábitos em segredo por décadas. Foi só quando seu filho desenvolveu um distúrbio do sono que ela começou a perguntar aos médicos sobre sua própria condição. “Muitos médicos com quem conversei não tinham ideia do que havia de errado comigo. Um médico disse: ‘Bem, talvez você devesse comer um pedaço de pão antes de dormir.’ Ah, claro, isso com certeza resolve,” diz Jill, com desdém.
Causas da Alimentação Durante o Sono
Os motivos que fazem alguém comer durante o sono são variados. Após anos de consultas médicas decepcionantes, Jill foi diagnosticada com síndrome das pernas inquietas no centro de tratamento de Schenck em Minneapolis. “Agora se tornou síndrome do corpo inquieto,” diz Jill. “É um tremor, quase como se um inseto estivesse rastejando dentro de mim e isso se espalha por todo o meu corpo.”
A síndrome das pernas inquietas é uma das quatro possíveis causas da alimentação durante o sono. “Você pode desenvolver o distúrbio de comer durante o sono pelo sonambulismo, pela apneia do sono, por certos medicamentos para insônia, ou pela síndrome das pernas inquietas,” explica Schenck. “Todas essas podem ser causas finais do transtorno alimentar relacionado ao sono.”
“Não Desista”
Hoje, Jill controla sua condição com uma combinação de três medicamentos prescritos por Schenck. “Os medicamentos funcionam 95% do tempo, mas então terei um dia e uma noite ruim ocasionalmente. Quando eles não funcionam, é simplesmente exaustivo.”
Ela faz o possível para manter alimentos ultraprocessados fora de casa, mas sua vida agora é muito melhor do que antes do tratamento. “Sou muito, muito, muito grata por finalmente encontrar alguém que entenda o que estou passando,” diz Jill.
Seu conselho para os outros? Seja seu melhor defensor. “Não deixe os médicos te menosprezarem, te ignorarem ou te fazerem se sentir mal,” diz. “Um médico pode não querer fazer um estudo do sono, então encontre outro médico que queira. Simplesmente continue lutando até encontrar o médico certo. Procure uma segunda opinião, até uma terceira se achar necessário. Não desista.”
Com informações da CNN
