Plano Real: Estabilidade econômica com alto custo para a indústria

© Marcello Casal JrAgência Brasi

 

Juros altos e abertura do mercado financeiro trazem desafios ao setor industrial e expõem economia à volatilidade cambial

 

 

 

O Plano Real, implementado nos anos 1990 para derrubar a hiperinflação, trouxe estabilidade econômica ao Brasil, mas deixou um gosto amargo para certos setores, principalmente a indústria. Os remédios essenciais do plano – juros altos e abertura do mercado financeiro – dificultam a sobrevivência da indústria nacional e tornam a economia mais vulnerável às flutuações do câmbio.

Nos últimos meses, a taxa Selic, que define os juros básicos da economia, tem sido o centro de acaloradas discussões políticas. O Banco Central interrompeu o ciclo de queda dos juros, mantendo a taxa em 10,5% ao ano na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom). O presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou fortemente o presidente do BC, Roberto Campos Neto, o que aumentou a volatilidade cambial.

Desde a criação do real, que completa 30 anos nesta segunda-feira (1º), os juros altos foram usados como instrumento para conter o consumo, enquanto o câmbio sobrevalorizado estimulava a entrada de produtos importados, evitando a explosão de preços dos produtos nacionais. A professora de economia da Fundação Getulio Vargas (FGV) Virene Matesco explica que o Plano Real teve duas âncoras principais: câmbio e juros. A valorização do câmbio, inicialmente, ajudou a baixar os preços locais pela competição com importados, mas gerou déficit na balança comercial.

Alexandre Espírito Santo, economista-chefe da Way Investimentos e professor do Ibmec, afirma que os juros altos eram essenciais para atrair capital financeiro ao Brasil no início do plano, isolando a nova moeda da contaminação pela antiga moeda hiperinflacionada.

Inicialmente prevista como temporária, a âncora cambial durou quase cinco anos. O país migrou para um sistema de bandas cambiais e, após crises especulativas, liberou o câmbio em janeiro de 1999, adotando o sistema de “flutuação suja”. O dólar passou de R$ 1,20 no início de 1999 para cerca de R$ 5,50 atualmente. A âncora cambial foi substituída pelo sistema de metas de inflação, ainda em vigor.

Apesar da estabilidade econômica, a indústria nacional sofreu com os juros altos e a sobrevalorização cambial, que encareceram os investimentos e baratearam as importações. O economista Leandro Horie, do Dieese, aponta que esses fatores incentivaram o agronegócio e desindustrializaram o país. Mesmo com a desvalorização do real nos últimos anos, a dependência de insumos importados mantém o câmbio como uma variável importante.

Economistas heterodoxos e ortodoxos divergem sobre as causas dos juros altos. Enquanto os heterodoxos atribuem à abertura do mercado financeiro, os ortodoxos, como Edmar Bacha, um dos criadores do Plano Real, culpam desequilíbrios históricos e defendem a continuidade de reformas para reduzir os juros no médio e longo prazo. Alexandre Espírito Santo destaca a necessidade de reformas administrativas e tributárias para manter o legado do Plano Real e controlar a inflação.

A estabilidade alcançada pelo Plano Real trouxe grandes avanços, mas deixou desafios significativos que continuam a impactar a economia brasileira, especialmente o setor industrial. A busca por um equilíbrio entre crescimento econômico e controle inflacionário segue sendo um tema central nas políticas econômicas do país.