Estudo da UFRJ revela reativação do vírus da zika e efeitos neurológicos

© Julia Koblitz/ Unsplash

 

Pesquisa inédita mostra que vírus pode se replicar novamente no cérebro, causando novos sintomas como crises convulsivas

 

 

Um grupo de pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) investigou a reação tardia do vírus da zika e como isso pode levar a novos episódios de sintomas neurológicos da doença, como crises convulsivas. Os resultados do estudo inédito estão em um artigo científico publicado nesta semana no periódico iScience, do grupo Cell Press.

O estudo foi realizado durante quatro anos com cerca de 200 camundongos que se recuperaram da infecção pelo vírus zika. A pesquisa foi liderada pelas cientistas Julia Clarke, do Instituto de Ciências Biomédicas, e Claudia Figueiredo, da Faculdade de Farmácia, ambas da UFRJ.

Os resultados apontam que em situações de queda na imunidade, como estresse, tratamento com medicamentos imunossupressores ou durante infecções por outros vírus, o zika pode voltar a se replicar no cérebro e em outros locais onde antes não era encontrado, como nos testículos. “Alguns vírus podem ‘adormecer’ em determinados tecidos do corpo e depois ‘acordar’ para se replicar novamente, produzindo novas partículas infecciosas. Isso pode levar a novos episódios de sintomas, como acontece classicamente com os vírus simples da herpes e da varicela-zoster,” explicou Julia Clarke.

Segundo a pesquisadora, essa nova replicação está associada à produção de espécies secundárias de RNA viral, que são resistentes à degradação e se acumulam nos tecidos. “Observamos que, ao voltar a replicar no cérebro, o vírus gera substâncias intermediárias de RNA e vemos um aumento na predisposição desses animais a apresentarem convulsões, que é um dos sintomas da fase aguda,” acrescentou.

Em modelos animais, o grupo da UFRJ e outros aplicaram testes de PCR, microscopia confocal, imunohistoquímica e análises comportamentais, mostrando que o vírus da zika pode permanecer no corpo por longos períodos após a fase aguda da infecção. Em humanos, o material genético do vírus da zika já foi encontrado em locais como placenta, sêmen e cérebro, mesmo muitos meses após o desaparecimento dos sintomas.

Os resultados mostraram que a amplificação do RNA viral e a geração de material genético resistente à degradação pioram os sintomas neurológicos nos animais, principalmente nos machos. Embora a reativação tardia do vírus da zika ainda não tenha sido investigada em humanos, os dados sugerem que pacientes expostos ao vírus no início da vida devem ser monitorados a longo prazo e que novos sintomas podem ocorrer. Como próximos passos, Julia Clarke explica que se aprofundarão nas calcificações cerebrais provocadas pelo vírus.

“O cérebro exposto ao vírus, tanto de animais quanto de humanos, desenvolve áreas de lesão características com morte de células e acúmulo de cálcio – as chamadas calcificações. Nosso grupo pretende caracterizar se essas áreas de calcificações são os locais onde o vírus permanece adormecido. Além disso, pretendemos testar um medicamento que diminui muito o tamanho dessas áreas de calcificação para avaliar se consegue prevenir essa reativação do vírus,” detalhou Clarke.

A pesquisa contou com a colaboração de pesquisadores do Instituto de Microbiologia Paulo de Góes e do Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo de Meis, ambos da UFRJ, e recebeu cerca de R$ 1 milhão em financiamento da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj).