O uso consciente do fogo tem se mostrado uma ferramenta eficaz na prevenção de incêndios florestais na Chapada dos Veadeiros, em Goiás, de acordo com brigadistas e pesquisadores do Cerrado. Essa prática, adotada desde 2014 por parte dos brigadistas da região, tem se expandido após os grandes incêndios de 2017 e 2020 que devastaram parte do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros.
Chamado de Manejo Integrado do Fogo (MIF), esse conjunto de técnicas utiliza o fogo como uma ferramenta para prevenir incêndios florestais, como a queima do excesso de vegetação seca que pode servir de combustível para incêndios de grande magnitude.
Na cachoeira de Santa Bárbara, localizada no Quilombo Kalunga (GO), os brigadistas, compostos por quilombolas, utilizam o fogo estrategicamente nas áreas ao redor das nascentes e das veredas que protegem os cursos de água. Isso é feito para evitar que, no período da seca, os incêndios atinjam a mata que preserva as águas.
Entre abril e julho de 2023, os brigadistas do Prevfogo realizaram queimas conscientes em mais de 2 mil hectares dentro do quilombo. O Prevfogo é uma unidade do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos (Ibama) que atua no combate e prevenção de incêndios florestais.
Apesar de ter sido adotado pelos brigadistas há quase dez anos, o uso consciente do fogo é parte do conhecimento ancestral do Território Kalunga, o sétimo quilombo mais populoso do Brasil, abrangendo cerca de 3.600 pessoas distribuídas em 39 comunidades por aproximadamente 261 mil hectares.
O supervisor da brigada local, o kalunga José Gabriel dos Santos Rocha, explicou que a queima do terreno sempre foi uma prática na comunidade, transmitida através das gerações.
Essa prática, entretanto, enfrentou resistência de parte dos moradores kalungas devido à antiga política de “fogo zero”, adotada pelos brigadistas desde a criação do Prevfogo em Cavalcante, em 2011. Com essa política, a vegetação acumulava um excesso de material que acabava se tornando combustível para os incêndios florestais, especialmente durante a seca, com altas temperaturas e baixa umidade.
A proibição total do uso do fogo, segundo Gabriel, levava a uma acumulação de combustível, tornando os incêndios florestais difíceis de combater. Com a prática do manejo do fogo, os moradores têm mais controle sobre a situação, queimando áreas estratégicas.
No Cerrado, o fogo é uma parte integrante da evolução biológica desse bioma, ressaltou Ane Alencar, diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e coordenadora do MapBiomas Cerrado. Ela destacou que, por muito tempo, a ideia predominante era que o fogo era sempre prejudicial, especialmente influenciada pela visão da Amazônia, onde o fogo é amplamente visto como algo negativo.
No entanto, recentemente, tem-se aprendido sobre a importância de gerenciar o fogo de maneira adequada em ambientes adaptados ou dependentes do fogo. Isso é fundamental para o Cerrado e para reduzir o risco de catástrofes.
Embora no início tenha enfrentado resistência, o Manejo Integrado do Fogo tem se mostrado eficaz na prevenção de incêndios florestais, ganhando aceitação ao longo dos anos. Atualmente, essa prática é vista como uma ferramenta crucial para preservar o Cerrado e outras áreas suscetíveis a incêndios.