Redação vaga da nova lei, especialmente no que toca ao Acordo de Não Persecução Civil, abre brecha para que cada Estado adote sua jurisprudência própria, ignorando o princípio de isonomia, com possibilidade de tratamentos distintos, dependendo da região, dirigidos àqueles que desrespeitam a mesma lei nacional, aponta sócio fundador do escritório NDF Advogados
O mestre e doutor em Direito Processual pela USP, Daniel Amorim Assumpção Neves alertou, durante a mesa-redonda “Acordos nas Ações de Improbidade Administrativa”, em evento organizado pela EMERJ (Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro), que a redação da nova lei que rege o tema é vaga e deixa relevantes questões em aberto, especialmente sobre o Acordo de Não Persecução Cível. Neves apontou momentos no andamento processual sujeitos à subjetividade ou risco de improvisações.
A discussão, que ganha importância especial em anos de eleições, foi mediada pela desembargadora e presidente do Fórum Permanente de Transparência e Probidade Administrativa, Inês da Trindade Chaves de Melo, e contou com a participação na bancada do Procurador do Município do Rio Rafael Oliveira e do professor Fredie Didier Junior.
“Vou colocar alguns ‘bodes na sala’, trazer à luz pontos obscuros da nova lei”, avisou Neves logo ao abrir sua participação na mesa. “São pontos que impactam a vida dos advogados públicos, promotores, juízes, réus etc.” Daniel Neves que é professor titular do programa de mestrado e doutorado da FADISP e parecerista na área do Direito Processual Civil, destrinchou em sua apresentação o artigo 17-B da nova lei, que dita que “o Ministério Público poderá celebrar o Acordo de Não Persecução Civil”. “O texto diz que o MP poderá, ou seja, que é facultado a ele, não que deverá ou que é obrigado a celebrar o acordo, mas não explicita em quais situações isso deve acontecer”, argumenta Neves. “A lei diz que ‘depende das circunstâncias’ a assinatura de um acordo, gerando questões como: Quais são essas circunstâncias? Depende do humor do juiz?”
Logo na sequência, Neves explica ao apontar que o segundo parágrafo da lei confunde a dirimir a dúvida ao ditar que “será considerada a personalidade do agente”. “O que a lei quer dizer? Que depende, se ele é mais tímido ou mais extrovertido, ou se refere ao histórico, se ele andou aprontando, se dá para ‘puxar a capivara’ dele? Mas nem isso está claro, a lei tem que ter mais objetividade.”
O processualista seguiu citando outros conceitos indeterminados trazidos pela lei e alertou para o perigo, inclusive, de isso abrir brecha para ela ser interpretada de acordo com o posicionamento político de cada juiz. “Só tem subjetivismo no texto da nova lei, não veio com ela a segurança jurídica, está tudo em aberto”, criticou Neves.
“Hoje o agente público não sabe se determinada decisão depende do promotor da hora, o que me faz merecedor de um acordo, quais situações de fato levam a um acordo.” O discurso de que a situação ficará melhor a emissão de resoluções pelos Ministérios Públicos também foi rebatido. “Tudo bem, tira das mãos do promotor, mas não quer dizer que essa situação é mais saudável, pois cria um tratamento diferenciado de Estado para Estado para o ilícito.”
O cálculo dos valores a serem eventualmente devolvidos aos cofres públicos também representa outra questão mal amarrada. A lei prevê que o agente terá que devolver integralmente o valor obtido de forma irregular, e para a tarefa de calculá-lo foi apontado o Tribunal de Contas.
“E quem disse que o Tribunal de Contas vai ter as informações elementares mínimas para indicar o valor?”, questiona Neves, que revelou que desde a promulgação da nova lei se debruça na pesquisa e estudo do direito penal, pois a nova legislação sobre improbidade administrativa passou a exigir um profissional muito mais versátil, multiáreas. “Ou no fim o Ministério Público diz que o valor devido é de, por exemplo, R$ 5 milhões, o réu rebate que seriam R$ 2 milhões, tem início uma discussão e chegam a um acordo de R$ 3,5 milhões? Mas a lei é clara quando diz que o valor integral em que o Estado foi lesado tem que ser devolvido, ou a lei nos engana e permite uma negociação pelo valor do dano?”
Neves questionou também o papel do judiciário na hora da homologação do acordo. “O juiz se limitará à atividade formal de homologação, ou caberá ao judiciário verificar se a lei foi de fato cumprida? O juiz poderá ou não questionar os valores apresentados? Isso tampouco fica claro.” “A legislação apresenta soluções fáceis para problemas muito complexos”, definiu Neves, ao concluir a sua participação na mesa-redonda. Autor de importantes obras do Direito Processual Civil, Daniel Amorim Assumpção Neves, publicou neste ano o livro “Comentários à Reforma da Lei de Improbidade Administrativa”, em parceria com Rafael Oliveira explicam artigo por artigo da Lei nº 14.230/2021. Com uma linguagem clara e objetiva, o livro traz um estudo fundamentado nas mudanças provocadas pela reformulação dessa lei, apresentando as posições da doutrina e da jurisprudência.
**Daniel Amorim Assumpção Neves – É advogado, mestre e doutor em Direito Processual pela Faculdade de Direito da USP. É professor titular do programa de mestrado e doutorado da FADISP. É parecerista na área do Direito Processual Civil e sócio fundador do Neves, De Rosso e Fonseca Advogados. Possui intensa atuação acadêmica no Direito: é professor assistente do Professor Antonio Carlos Marcato nos cursos de graduação, mestrado e doutorado da Faculdade de Direito da USP. É autor de importantes obras do Direito Processual Civil como o Novo CPC Comparado – Código de Processo Civil – Lei 13.105/2015, editora Método – Forense, em parceria com Luiz Fux; Manual de Direito Processual Civil, editora Método; Manual de Improbidade Administrativa, editora Método; Manual de Direito do Consumidor, editora Método; e Manual de Processo Coletivo, editora Método, entre outras publicações. É autor também do Novo CPC Comentado Artigo por Artigo, editora Juspodivm. E está à disposição da imprensa para tratar de temas complexos do Direito.
*Neves, De Rosso e Fonseca Advogados – Fundado em 1998, o Escritório se destaca pelo atendimento personalizado nas mais diversas áreas do Direito. Atua nos segmentos do Direito Civil, Societário, Administrativo, Responsabilidade Civil, Contratos, Imobiliário, Comercial, Empresarial, Ambiental, Saúde, Consumidor, Desportivo e Família, para citar apenas alguns dos mais expressivos em sua carteira. Atende grandes empresas dos setores Bancário (Relações de Consumo, Planos Econômicos), Hoteleiro, Varejista, Gás e Energia, Saúde, Alimentação, Editorial, entre os mais significativos. O escritório foi criado inicialmente para atender as imensas demandas judiciais de grandes bancos brasileiros, em diversas partes do País. Por isso, tem filiais e sócios locados nas regiões Sudeste (sede na capital paulista) e Nordeste (Natal e Recife), onde conta com um corpo jurídico forte e altamente capacitado, além da permanente dedicação dos sócios fundadores, que atendem pessoalmente aos clientes e estão sempre à frente de todas as demandas, o que é uma prioridade para eles e uma marca da banca. Por ser um Escritório de médio porte, os sócios têm condições de acompanhar de perto toda a dinâmica dos clientes, que recebem essa atenção diretamente, sem intermediação de coordenadores de áreas. Com o tempo e experiência de mercado, investiu nas demais áreas e em processos estratégicos, sem abrir mão da estrutura de massificado. Dentre as instituições financeiras, presta serviços para os mais relevantes bancos instalados no País, atendendo suas carteiras de processos especiais e de massificado no Brasil inteiro, mas principalmente nas regiões Sudeste e Nordeste.