Mercado informal tira do Estado recursos que poderiam ser usados em políticas públicas, inclusive de combate ao tabagismo
Muito antes do surto do novo coronavírus, a Organização Mundial da Saúde (OMS) se preocupava com outra epidemia: a do tabagismo. Segundo a entidade, o tabaco é responsável pela morte de 8 milhões de pessoas por ano, incluindo um milhão por fumo passivo, sendo, assim, a principal causa de morte evitável em todo o mundo.
No Brasil, 13% das mortes anuais podem ser atribuídas ao tabagismo. Isso representa quase 161.853 mortes por ano que poderiam ser evitadas. Além disso, o hábito do fumo provoca grande número de enfermidades, como doenças cardiovasculares, Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) e cânceres. Os dados são de uma pesquisa do Instituto de Efetividade Clínica e Sanitária (IECS). No país, além disso, os problemas se agravam devido a um vasto mercado ilegal de contrabando de cigarros.
O último relatório da OMS sobre o cenário do tabagismo global, divulgado no ano passado, mostrou que multiplicou-se por mais de quatro vezes o número das pessoas cobertas por pelo menos uma medida de controle do tabaco, em comparação com 2007.
O governo brasileiro, por exemplo, implantou uma série de medidas para dificultar o acesso da população a cigarros e assemelhados. Em 2011, o ato de fumar foi proibido em locais fechados, públicos e privados. Além disso, as mensagens nas embalagens de cigarros tornaram-se mais impactantes com o passar dos anos, a publicidade do tabaco foi proibida nos meios de comunicação, e o patrocínio de marcas de cigarro foi vetado em eventos culturais e esportivos.
Todas essas medidas, porém, não conseguem atingir um grande agente do problema: o mercado ilegal de cigarros. O Ministério da Saúde destaca que não há diferença quanto aos riscos decorrentes do consumo de cigarro, seja ele legal, seja ilegal.
Entretanto, o contrabando, por vezes, consegue driblar as medidas preventivas do governo. Mônica Andreis, diretora executiva da ACT Promoção da Saúde — organização não governamental que atua na promoção e defesa de políticas de saúde pública — explica que o mercado ilegal atrapalha o combate ao tabagismo, embora a estimativa concreta do dano do contrabando seja imprecisa. “É muito importante enfrentarmos o problema do mercado ilegal, porque ele traz prejuízos à economia e à saúde. Existe a questão dos impostos, que não estão sendo pagos”, disse.
Ações coordenadas
A especialista detalha que os principais motivos para a escolha do produto ilegal pelo fumante são preço mais baixo e facilidade de acesso. “Muitas vezes, encontramos esses produtos em mercados populares. Às vezes, são vendido também de forma irregular: em unidades, por exemplo, em vez de maços. Como esse mercado é antigo no país, já existem marcas ilegais que são, inclusive, conhecidas e mais consumidas”, afirma.
“A forma de combater esse mercado deve ser ampla, com ações coordenadas, como a negociação diplomática dos países da fronteira, em especial o Paraguai. Já nas medidas internas para diminuir o contrabando, precisamos integrar os órgãos para gerar um efeito maior no mercado ilegal”, diz Mônica Andreis.
Em 2018, o Brasil assinou, em uma reunião de ministros da Saúde do Mercosul, uma declaração que ratifica a eliminação do comércio ilegal de produtos de tabaco. O protocolo foi desenvolvido a partir da Convenção-Quadro para Controle do Tabaco (CQTQ), da OMS. Argentina, Uruguai, Chile e Paraguai também assinaram o documento.
Além da saúde, o tabagismo prejudica a economia. De acordo com o levantamento do IECS, o tabagismo gera, além de um custo médico direto anual de mais de R$ 50,3 bilhões, um ônus pela perda da produtividade no trabalho superior a R$ 42 bilhões, e gastos pelo cuidado informal de mais de R$ 32 bilhões. No total, esses números equivalem a mais de 1,8% do PIB do país. A pesquisa avalia que a arrecadação de impostos pela venda de cigarros é de, aproximadamente, R$ 12 bilhões anuais, valor que cobre apenas 10% dos custos.
Tributação
O consultor tributário e ex-secretário da Receita Federal Jorge Rachid diz que o setor de cigarros requer grande atenção das agências governamentais devido ao volume que transaciona e a tributação praticada. “O governo federal deve fortalecer a política tributária e promover a atualização do preço mínimo de venda de cigarros no varejo, que está em R$ 5 há mais de cinco anos, e as alíquotas do IPI incidentes sobre o produto, que estão inalteradas desde dezembro de 2016”, observa.
O estudo da IECS conclui que um aumento do preço dos cigarros por meio de impostos de apenas 50% poderia evitar mais de 135.044 mortes, 469.720 infartos, 55.352 novos cânceres e 88.861 acidentes vasculares cerebrais (AVC) num prazo de 10 anos — e, ainda assim, o preço dos cigarros continuaria sendo baixo para os padrões internacionais.
Rachid detalha que o contrabando gera uma evasão tributária que prejudica o combate ao tabaco em si. “Tendo em vista que o cigarro tem alta tributação, o mercado ilegal causa dano irreparável para a sociedade, pois o Estado deixa de arrecadar recursos para o financiamento das políticas públicas, em especial para área da saúde — altamente demandada pelos consumidores de tabaco”, explica.
*Com informações do Correio Braziliense