Como o molnupiravir (da MSD) e o Paxlovid (da Pfizer) — atuam no organismo e podem garantir eficácia contra a Covid e traçam paralelo com o antiviral Tamiflu, na pandemia de 2009
Os medicamentos antivirais utilizam diferentes mecanismos com o objetivo de frear a ação dos vírus. Alguns contam com propriedades que impedem os microrganismos de invadir as células humanas, parte fundamental do processo de infecção. Outros agem diretamente sobre as informações genéticas do vírus, enfraquecendo a replicação viral.
O objetivo final é o mesmo: preservar o organismo e impedir a evolução e o agravamento da doença. Para que isso aconteça, os medicamentos precisam ser utilizados ainda na fase inicial da infecção — de preferência, entre o primeiro e o quinto dia do aparecimento dos sintomas. Isso porque a ação dos antivirais está condicionada à presença de uma maior quantidade de vírus no organismo, ou seja, uma alta carga viral.
Os primeiros medicamentos contra o novo coronavírus, com eficácia cientificamente comprovada, foram desenvolvidos em 2021.
“Estamos perto de um tratamento precoce para impedir que a Covid se agrave”, resumiu o médico Drauzio Varella, em sua coluna no jornal Folha de S.Paulo.
“Desde o começo da pandemia, com um vírus novo, se busca uma medicação com ação antiviral. Ou seja, você prescreve a medicação para alguns grupos de pacientes e, especialmente em uma fase que o vírus circula no organismo, para que ele, consiga eliminar a replicação do vírus e, assim, diminuir todos aqueles gatilhos de inflamação e complicação no pulmão”, explica o médico Álvaro Furtado, infectologista do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP).
Os efeitos da Covid-19 no corpo podem ser divididos em duas fases. A primeira consiste na fase viral, que reúne sintomas comuns de outras viroses, como dor no corpo, dor de cabeça, coriza, mal estar e febre.
Conforme a doença avança, por volta do sétimo dia da infecção, tem início a fase inflamatória, na qual os antivirais já não têm o mesmo efeito.
Nesse momento, os médicos utilizam outros recursos como corticoides ou anticorpos monoclonais com o objetivo de controlar a inflamação e impedir a evolução para os quadros graves da doença.
A médica infectologista Rosana Richtmann, do Hospital Emílio Ribas, de São Paulo, destaca que o uso dos antivirais irá reforçar a necessidade de testagem e diagnóstico precoce da Covid-19.
“Nós temos um antiviral, o molnupiravir, que consegue atrapalhar o vírus em sua replicação. Ele faz uma replicação embaralhada, que não consegue ser reconhecida e ir pra frente. Quanto mais precoce a administração, melhor. Se você deixa para os antivirais com a doença adiantada, no sexto ou sétimo dia, acaba tendo o risco de a cadeia inflamatória já ter sido iniciada”, explica Rosana.
“É a primeira medicação oral aprovada para impedir a progressão para as formas graves da Covid”, lembra Drauzio Varella sobre o molnupiravir no mesmo artigo da Folha.
Molnupiravir é testado no Brasil
O molnupiravir é um antiviral produzido pela farmacêutica MSD (Merck Sharp & Dohme), de administração por via oral, que atua impedindo a replicação do novo coronavírus ao introduzir erros no código genético do vírus.
“O material genético do vírus é composto por várias letras. Os medicamentos antivirais são análogos a essas letrinhas, só que vão dar uma bagunçada no ‘manual de instrução’ do vírus”, explica o microbiologista Luiz Almeida, do Instituto Questão de Ciência.
“No processo de replicação, o vírus tem que replicar o próprio genoma, produzir novas proteínas, empacotar novamente para produzir novas partículas virais. Nesse processo, se vier uma letrinha errada, dá uma bagunçada geral no vírus.”
O medicamento está em avaliação em estudos globais de fase três, com testes em diferentes países, incluindo o Brasil.
No país, os testes foram realizados em sete centros: três em São Paulo (dois na capital e um em São José do Rio Preto), Brasília (DF), Belo Horizonte (MG), Curitiba (PR) e Bento Gonçalves (RS).
O estudo denominado MOVe-OUT (MK-4482-002) avalia a utilização do molnupiravir como tratamento nos primeiros cinco dias de sintomas. A análise preliminar apontou que o medicamento reduziu em aproximadamente 50% o risco de hospitalização ou morte.
Ao todo, o ensaio contou com a participação de 762 voluntários que foram divididos em dois grupos: uma parte recebeu o medicamento em teste; a outra recebeu o placebo, uma substância sem qualquer efeito para o organismo.
De acordo com a MSD, 7,3% dos pacientes que receberam molnupiravir foram hospitalizados ou morreram (28 pacientes de 385), em comparação a 14,1% dos pacientes tratados com placebo (53 pessoas de 377).
A partir do sequenciamento genômico viral, os pesquisadores verificaram que o medicamento também demonstrou eficácia diante das variantes do novo coronavírus, incluindo a Gama, a Delta e a Mu.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) informou que recebeu, no dia 26 de novembro, o pedido de uso emergencial do molnupiravir da MSD. Segundo a Anvisa, o prazo de avaliação é de até 30 dias.
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) informou que o Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz) está em diálogo avançado com a MSD para definir parcerias para o desenvolvimento de estudos conjuntos.
Na quarta-feira (1º), consultores da Food and Drug Administration (FDA), órgão semelhante à Anvisa nos Estados Unidos, votaram a favor da recomendação do uso emergencial do molnupiravir contra a Covid-19 no país. Caso a autorização seja concedida, o medicamento será o primeiro tratamento antiviral oral no enfrentamento à doença nos Estados Unidos.
Medicamento da Pfizer
A farmacêutica Pfizer, que também conta com a vacina contra a Covid-19 amplamente aplicada no mundo, atua no desenvolvimento do antiviral Paxlovid.
O medicamento, chamado tecnicamente de ritonavir, utilizado no tratamento do HIV, faz parte da classe de inibidores de protease, que são substâncias capazes de inibir a ação de enzimas associadas à replicação viral.
Em novembro, a Pfizer informou que o medicamento oral reduziu os riscos de hospitalização e de morte em 89% em pacientes de alto risco para a Covid-19. O tratamento experimental considera a utilização de três comprimidos, administrados duas vezes ao dia, por três dias.
Nos testes clínicos, a Pfizer avaliou 1.219 pacientes diagnosticados com a Covid-19, com sintomas brandos a moderados, com pelo menos um fator de risco para a forma grave da doença, como obesidade e idade avançada.
De acordo com o comunicado da farmacêutica, nenhum voluntário havia morrido depois de 28 dias de tratamento.
“O grupo de pesquisadores independentes encarregado de acompanhar os dados suspendeu o estudo precocemente, porque os resultados entre os que receberam a droga foram tão superiores que seria antiético prosseguir com ele”, conta o dr. Drauzio.
O preço de contrato da MSD/Merck nos Estados Unidos para o molnupiravir é de US$ 700 (cerca de R$ 3.862) para um período de cinco dias de terapia. Já a Pfizer ainda não definiu o preço do tratamento, mas afirma que deve ser próximo do valor do rival molnupiravir.
Por que é difícil produzir um antiviral
Os vírus são estruturas microscópicas muito simples, com alta capacidade de mutação. As proteínas utilizadas por cada vírus na interação com o organismo humano durante o processo de infecção também são diferentes.
O SARS-CoV-2, nome técnico do coronavírus, conta com a proteína Spike como a chave de ligação do vírus para a entrada nas células. Já o vírus influenza, causador da gripe comum, tem como elemento de associação com as células as enzimas chamadas neuraminidase.
O perfil único de cada vírus faz com que um antiviral que funciona para a gripe, como o oseltamivir, não tenha nenhum efeito benéfico para o tratamento da infecção pelo novo coronavírus, por exemplo.
Além do investimento financeiro, um desafio para o desenvolvimento de novos medicamentos são as diferentes fases de testes pré-clínicos (em animais) e clínicos (com humanos), com o objetivo de avaliar a eficácia, segurança e dosagem adequada das substâncias utilizadas —o que leva tempo.
“Os antivirais têm de ser mais específicos para aquela doença e aquele vírus. Não é tão fácil quanto um antibiótico usado contra bactérias, por exemplo. Por isso, temos poucos antivirais no mercado”, explica Almeida.
O diferencial do Tamiflu
No dia 11 de junho de 2009, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou situação de pandemia de influenza devido ao impacto em grande escala causado por uma linhagem do vírus A (H1N1).
Os impactos da pandemia de gripe provocaram a morte de mais de 570 mil pessoas em todo o mundo, de acordo com um estudo publicado por pesquisadores dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), dos Estados Unidos, no periódico científico Lancet Infectious Diseases, em 2012.
Com o mesmo objetivo de prevenir infecções graves e mortes, cientistas trabalharam na atualização do antiviral oseltamivir, conhecido comercialmente como Tamiflu. De acordo com os especialistas, o medicamento contribuiu, de forma complementar às vacinas, para a redução no número de mortes na pandemia de 2009 no mundo, também conhecida como “gripe suína”.
O microbiologista Luiz Almeida explica que o Tamiflu tem como mecanismo de ação a inibição de uma enzima chamada neuroaminidase do vírus da gripe. A atividade dessa proteína é essencial para a entrada do vírus nas células humanas e para a liberação de partículas virais formadas a partir de células infectadas.
“O Tamiflu tem um mecanismo de impedir que o vírus entre nas células. Mas tem também uma limitação: não podemos dar uma dose cavalar desses remédios para as pessoas. Ele ajudou a controlar os casos de H1N1 que tivemos, mas não foi uma bala de prata, foi um auxílio a mais que tínhamos para combater o vírus da gripe naquela época”, diz Almeida.
O médico Valdez Madruga, infectologista, pesquisador do Centro de Referência e Treinamento DST/Aids-SP e um dos cientistas à frente do estudo da Pfizer, concorda que “o medicamento não substitui a vacina, mas é algo complementar”. “O medicamento, caso aprovado, formará uma proteção dupla para as pessoas vacinadas.”.
Baricitinibe e sotrovimabe: outros remédios, novos objetivos
Além dos antivirais, outros remédios já marcam sua importância no tratamento contra a Covid-19. Um deles é o baricitinibe, utilizado no Brasil para o tratamento de artrite reumatoide ativa moderada a grave e dermatite atópica moderada a grave.
Aprovado em setembro pela Anvisa para tratar pacientes internados com Covid, a administração do medicamento só é autorizada em pacientes adultos hospitalizados que necessitam de oxigênio por máscara ou cateter nasal, ou que necessitam de alto fluxo de oxigênio ou ventilação não invasiva.
Já o sotrovimabe — desenvolvido pela farmacêutica britânica GSK em parceira com a americana Vir Biotechnology — revelou ser uma promessa contra pelo menos 37 mutações identificadas na proteína Spike do vírus da Covid-19. O anúncio foi feito pelo próprio laboratório nesta terça (7) e pode contribuir na luta contra a variante Ômicron.
“Dados pré-clínicos demonstram potencial de nossos anticorpos monoclonais serem efetivos contra a última variante, a Ômicron”, explicou o chefe científico da GSK, Hal Barron.
Com informações da CNN